Por: José Vieira
A imprensa regional (jornais e
rádios – papel e online), setor da sociedade com centenas de anos no nosso
país, representa a primeira linha de notícias ao dispor dos leitores da região
em que se inserem. O jornalismo regional remonta ao tempo dos nossos avós,
trisavós e por aí vai mais umas boas gerações atrás. A forma de expressão deste
tipo de veículo noticioso sempre se resumiu, em grande parte aos seus
conteúdos, a retratar, sem grandes floreados, o dia a dia do território em que
se inserem, de uma forma mais terra a terra, com um português mais genuíno e simples.
Os primeiros jornais regionais serviam também para aproximar, de alguma forma,
os seus leitores aos assuntos da sua área de vivência, tratando temas muito
importantes localmente, mas sem grande interesse para o território limítrofe. É
a regionalidade em si, que se concentra num grupo de pessoas que comungam os
mesmos valores territoriais, sejam culturais, económicos ou políticos, entre
outros.
Sempre foi a missão deste
veículo de informação (jornalismo regional em si), servir a sua população,
relatando os acontecimentos e os factos, aplicando as normas do jornalismo em
vigor, à altura da ação (antes ou após o estado novo). Se até à revolução as
regras eram menos apertadas ou havia mesmo falta de algum regulamento que
ditasse a forma como estes órgãos se deveriam gerir (em termos editoriais,
claro), o 25 de abril de 1974 veio mudar consideravelmente a forma de estar da
imprensa regional.
A missão do jornalismo
regional nos últimos 50 anos não mudou, mudaram sim foram as regras de acesso e
a condução dos veículos de informação regionais. Desde logo ficámos abrangidos
pela lei que regulamenta o jornalismo e os jornalistas, no que diz respeito aos
seus direitos e deveres. O jornalista regional (na lei não existe esta
classificação, pois jornalista só há um perfil) deve observar todos os artigos
da lei do jornalismo e atuar em conformidade com o que lhe é permitido. O
jornalista e o veículo informativo devem cumprir todas as regras dos decretos
que norteiam esta atividade secular, sem exceções nem existindo regulamentação
própria adaptada à realidade do panorama regional. Ponto final!
O problema começa agora a ser
vislumbrado. Se temos os mesmos deveres do jornalista e do jornalismo nacional,
não deveríamos ter os mesmos direitos? É a velha situação, de que uns são
filhos da mãe e outros são filhos da “Maria da Conceição”, para não dizer algo
pior. Mas tem algum cabimento pagarmos os mesmos impostos, estarmos sujeitos às
regras de conduta do jornalista, sermos auditados pelos mesmos institutos,
sermos sancionados pelos mesmos artigos de lei e termos uma diferença tão
grande nos apoios existentes, comparativamente ao jornalismo nacional? O fosso
é enorme. Aliás, nem comparação tem. A imprensa regional, em termos de apoio,
resume-se ao porte pago (apoio no envio dos jornais via correio) e mesmo esse
apoio queriam cortar.
Nunca tivemos uma agenda
política bem definida que se propusesse estudar as necessidades deste setor em
particular e legislar no sentido de dar melhores condições à imprensa regional.
É urgente uma agenda política para duas áreas importantíssimas. Construir um
verdadeiro regulamento para o jornalista e para o jornalismo regional. São duas
áreas diferentes, que se complementam.
O governo anterior começou
este trabalho, apresentando algumas propostas, insuficientes, mas mesmo assim
foi um começo. Este novo governo herdou o dossier iniciado e espera-se que o
desenvolva, que vá mais longe, que quebre barreiras, preconceitos e lóbis há
muito instalados. Será que vai existir coragem para isso? Tenho as minhas
dúvidas, mas cá estarei para ver.
É necessário entender que o
jornalismo regional é um serviço público. É o serviço público informativo que
mais chega às pessoas. Todos os órgãos regionais juntos alcançam os 100% das
pessoas que consomem informação. Aliás, se quisermos ser mais rigorosos, apenas
23% dos órgãos regionais alcançam os 100% da população portuguesa. A RTP, onde
o estado mete centenas de milhões de euros anualmente, através de dotações
diretas e das nossas taxas do audiovisual, tem um share de pouco mais de 10%.
Para a RTP são milhões, para o regional são zero. E esta, hein? Já dizia o meu
conterrâneo, Fernando Pessa.
Claro que este exemplo da RTP
é um caso entre muitos. Temos quase todos os grupos de comunicação nacionais a
receberem milhões do estado, seja em dotações diretas, apoios a produtos (como
o caso do apoio direto às assinaturas mensais exclusivas aos nacionais), à
contratação de publicidade a custar milhões ou à compra de “espaço de
propaganda” com fins muito pouco éticos.
Não bastasse a ausência de
apoios ao setor regional, a ausência de um regulamento que defina o papel do
jornalismo e do jornalista de proximidade, é objetivo do regulador, nalgumas
propostas em estudo, saídas do anterior governo, forçar o jornalismo regional a
equiparem-se em tudo ao jornalismo nacional, sem a parte dos apoios, pois claro.
Ou seja, e dando apenas um exemplo entre muitos que estão em estudo, querem
redações com jornalistas credenciados, a ganharem ordenados incomportáveis para
a nossa dimensão. Para alguns jornais, propõem também uma espécie de
subsidiodependência dependente das câmaras municipais (que não veem com bons
olhos esta medida). E reparem no uso da expressão “para alguns jornais”. E quem
são esses jornais? São simplesmente órgãos de comunicação indicados pelas duas
de três associações de imprensa existentes em Portugal. Com a aprovação das
novas diretivas para a imprensa regional, os órgãos são forçados a adaptarem-se
ou a encerrarem. Quem está na listagem de ouro, vai sobrevivendo com a
subsidiodependência, quem não está, fecha portas. Não consegue cumprir os novos
requisitos e torna-se financeiramente inviável.
E desta forma, limpam-se mais
umas centenas de órgãos de comunicação regionais do mapa (em 2022 contavam-se
1723 e agora somos apenas 856) e quem fica vai ficar tão amarradinho ao
dinheiro vindo do poder local (câmaras), que vai deixar de fazer jornalismo e
vai passar a fazer é mais propaganda. E daqui a 5, 10 anos, ajustam-se de novo
as regras, para excluir aqueles que de alguma forma conseguiram furar o esquema
ardiloso do governo, para controlar e manietar o jornalismo regional. Não é
preciso ir a Coimbra tirar um curso de economia para perceber para onde estamos
a ir. Mais regras à atividade jornalística regional versus menos apoios ou
apoios insuficientes, só pode ser igual ao fim de um setor independente.
Mesmo quem seja jornal de ouro
(listagem dos escolhidos), vai rapidamente perceber que o dinheiro não é tudo e
que não paga a perca da essência jornalística regional.
A ser realidade este exercício
de futurologia que estou a fazer, vai ser o regresso das rádios piratas, dos
jornais ilegais e da informação sancionada.
Deixo à vossa imaginação as
consequências nefastas que podem advir desta estratégia governamental e se
recordam algures no passado algumas semelhanças com outras realidades já
ultrapassadas. É caso para dizer, já vi este filme algures.
Neste momento urge fazerem-se
duas questões:
Porque é que em 50 anos nada
mudou e o que mudou foi para pior, no jornalismo regional?
Como se combate esta
estratégia que visa afundar este setor?
Nas próximas semanas irei
responder a estas duas questões, e a mais algumas, com a devida isenção e
profundidade, para que possam refletir e interiorizar que o jornalismo regional
em Portugal está doente e entregue a médicos sem formação, que vão acabar por
matar o doente, ou no mínimo deixá-lo num estado comatoso.
O nosso legado é o nosso maior
presente para os vindouros. Um dia a história vai julgar-nos a todos. Ninguém
escapa a esse julgamento!
Fonte: APMEDIO
– Associação Portuguesa dos Media Digitais Online
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