Por: Maria Fernanda Ziegler
Cientistas mostraram que a
atividade física faz com que células imunes envolvidas no processo inflamatório
adquiram um perfil anti-inflamatório. Descoberta abre caminho para novas
abordagens terapêuticas.
Estudo conduzido na
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no Brasil, investigou o processo
de cronificação da dor muscular – ou seja, quando ela passa de aguda para
crónica – e identificou um dos mecanismos pelos quais a prática de exercício
físico previne essa transição, protegendo o organismo da inflamação e da dor
persistente. Os resultados foram divulgados na revista PLOS ONE.
O objetivo do trabalho foi
detalhar a participação dos macrófagos nesse processo. Isso porque dados da
literatura científica já indicavam que essas células de defesa têm papel-chave
tanto no início da fase aguda da dor muscular inflamatória quanto na transição
para a dor crónica.
Através de experiências com
camundongos (ratinhos de laboratório), os investigadores descobriram que um
recetor presente na membrana das células de defesa (denominado P2X4) é um dos
responsáveis por desencadear a cronicidade da dor inflamatória muscular. Outra
descoberta importante é que, através do exercício físico, é possível ativar uma
via de sinalização comum ao P2X4, tornando o macrófago anti-inflamatório e,
assim, prevenindo a cronificação da dor muscular.
“Observámos, em camundongos,
que a ativação da via de sinalização do P2X4 no macrófago é prevenida pelo
exercício físico, evitando o processo de transição da dor aguda para a crónica.
Dessa forma, conseguimos descrever um dos mecanismos pelos quais o exercício
físico consegue prevenir a dor muscular”, conta Maria Cláudia Gonçalves de
Oliveira, coordenadora do Laboratório de Estudos em Dor e Inflamação (Labedi) e
autora do artigo.
Segundo Oliveira, estas
descobertas abrem caminho para o desenvolvimento de fármacos ou de novos
protocolos de combate à dor muscular.
“Países como Estados Unidos e
Canadá vivem uma epidemia de consumo de opioides e há um esforço para reduzir o
uso desses medicamentos no tratamento da dor crónica. Dessa forma, ao
compreender como o exercício físico atua para prevenir a cronificação, é possível
identificar alternativas para novos medicamentos que atuem em sinergia com o
exercício físico, de forma mais específica e segura para a dor muscular”,
afirma a cientista.
No trabalho, os ratinhos
realizaram exercícios de natação periodizados de intensidade progressiva, cinco
dias por semana, durante quatro semanas.
Após esse período, os
investigadores simularam nos animais uma lesão muscular inflamatória, que
resulta em dor intensa. “Como a inflamação gerada pelo estímulo não foi
tratada, o esperado era que gerasse uma série de alterações no tecido muscular,
resultando no aumento da predisposição à cronificação. No entanto, isso não foi
observado nos animais que praticaram exercício físico previamente ao estímulo
inflamatório”, conta Oliveira.
Através de análises
farmacológicas e biomoleculares, os investigadores identificaram que o
exercício inibiu uma via de sinalização comum aos receptores P2X4 em
macrófagos, graças à ativação de recetores denominados PPAR-Gama, já associados
à prevenção da dor muscular pelo exercício físico em estudos anteriores.
"Sugerimos que a ativação
de sinalização do P2X4 [mediada por uma proteína conhecida como p38 MAPK] gera
ativação de macrófagos e aumento de citocinas inflamatórias. E observamos que o
exercício, por meio do PPAR-Gama, modula a ativação da p38 MAPK. No entanto,
ainda não sabemos se esse processo ocorre por inibição direta dos receptores
P2X4, por controlp da fosforilação da p38 [processo bioquímico que adiciona
grupos fosfato à proteína, regulando a sua função] ou por aumento do perfil
anti-inflamatório dos macrófagos", afirma.
A investigadora destaca ainda
que as vias parecem convergir na regulação da hiperalgesia muscular
inflamatória, fornecendo uma estrutura para entender a base molecular e celular
da progressão da dor muscular em condições inflamatórias. “A fase aguda da inflamação,
caracterizada pela fosforilação de p38 MAPK e polarização de macrófagos para um
fenótipo pró-inflamatório, representa um período crítico para intervenção.
Portanto, explorar o período ideal para intervenção com antagonistas de P2X4
[moléculas que inibem a função recetor] ou agonistas de PPAR-Gama [moléculas
que ativam o recetor] pode otimizar a eficácia terapêutica”, afirmam os
autores.
A investigação contou com
apoio da FAPESP através de dois projetos (21/02921-2 e 18/13599-1). O artigo
Macrophage-P2X4 receptors pathway is essential to persistent inflammatory
muscle hyperalgesia onset, and is prevented by physical exercise pode ser lido
em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0318107
Fonte: Sapo on-line Saúde