O resultado histórico foi obtido pelo XENONnT, um sistema com um nível de sensibilidade na deteção de matéria escura sem precedentes.
A colaboração internacional
denominada XENON, em que participam quatro cientistas do Laboratório de
Instrumentação, Engenharia Biomédica e Física da Radiação (LIBPhys) da
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC),
resgistou a primeira medida alguma vez realizada de neutrinos com origem no
interior do Sol por dispersão elástica coerente neutrino-núcleo (CEvNS, sigla
em inglês).
Este resultado histórico foi
obtido pelo XENONnT, um sistema com um nível de sensibilidade na deteção de
matéria escura sem precedentes.
Há largas dezenas de anos que
foi prevista a deteção de neutrinos solares, assim como a matéria escura, em
detetores localizados no nosso planeta, desde que a sua sensibilidade e o tempo
de medida fossem suficientes. Para detetar estes ínfimos sinais é necessário
que o sistema de medida (neste caso o XENONnT) esteja na sua melhor performance
e que sejam usadas técnicas de análise de dados altamente sofisticadas.
O XENONnT foi construído para
a deteção direta de matéria escura. Está instalado no laboratório subterrâneo
de Gran Sasso, em Itália, debaixo de 1300 metros de rocha, para reduzir os
níveis de radiação cósmica drasticamente em relação aos que existem à
superfície do nosso planeta. Os resultados anunciados resultam da análise dos
dados adquiridos durante dois anos, de julho de 2021 a agosto de 2023.
Este sistema usa como alvo
seis toneladas de xénon ultra-purificado. «Uma radiação ao passar pelo alvo
pode gerar, em geral, sinais ínfimos de luz e carga. A esmagadora maioria
destes sinais (mais de 99,99%) devem-se a radiações de origem conhecida, o que
permite aos cientistas calcular com grande precisão o número de eventos
esperados», diz José Matias-Lopes, investigador do LIBPhys da FCTUC e coordenador
da equipa portuguesa.
Para medir eventos tão raros
como os dos neutrinos e os da matéria escura o requisito mais importante é que
o alvo tenha o nível mais baixo possível de radiação (radiação de fundo), para
que possa distinguir o que se pretende medir, «é muito mais difícil do que
encontrar uma agulha não num, mas em mil palheiros», ilustra José Matias Lopes.
Para conseguir alcançar tal
meta tecnicamente tão exigente, todos os tipos de fontes de radiação contam, a
presente no próprio alvo de xénon e a que provém dos materiais de que é
construído o XENONnT. «Para lidar com a mais difícil de todas, a primeira, a
colaboração XENON conseguiu reduzir o nível de contaminação com o elemento
radão para níveis sem precedentes graças a uma coluna de destilação com 5,5
metros de altura, especialmente desenvolvida para o efeito por esta
colaboração», explica o investigador, acrescentando que «todos os materiais
usados no XENONnT foram cuidadosamente selecionados (até o mais pequeno dos
parafusos) para terem o mais baixo nível possível de radiação».
O alvo do XENONnT é o local do
planeta Terra com a menor radiação de fundo de toda a história da Humanidade,
permitindo levar a cabo estudos de um grande número de fenómenos
particularmente raros tais como a interação de axiões solares, de neutrinos com
momento magnético anómalo, de partículas análogas aos axiões, etc.
Embora prevista desde 1974, a
CEvNS dos neutrinos solares foi um enorme desafio de deteção não só pela
extrema dificuldade em registar este tipo de partículas, mas também pelas muito
baixas energias depositadas aquando a sua interação num detetor. Só em 2017 foi
possível fazer a primeira medida deste tipo de interação, embora com neutrinos
de energia muito mais alta provenientes de um acelerador em Oak Ridge
(Tennessee, EUA).
Agora, e pela primeira vez, o
XENONnT consegue medir os neutrinos solares pela CEvNS num alvo de xénon,
juntando-se à lista de famosas experiências concebidas expressamente para o
registo de neutrinos solares (por outros canais de interação) e que,
notavelmente, usam todas alvos com massas dezenas ou centenas de vezes mais
massa superiores à do XENONnT.
O ultrabaixo nível de radiação
de fundo do XENONnT aliado à sua capacidade para detetar energias muito baixas
permitiu este feito científico. A medida foi obtida com 2,72 desvios padrões de
confiança o que significa que há uma certeza de 99,65% no sinal registado ser
de neutrinos solares resultantes de reações nucleares de Boro-8. É a primeira
vez que se mede deste tipo de neutrinos provenientes de uma fonte
extraterrestre.
Este resultado obtido pelo
XENONnT abre ainda uma nova era na senda da matéria escura ao iniciar a deteção
do denominado nevoeiro de neutrinos, onde estes coexistem com a matéria escura,
que por serem quase indistinguíveis dificulta a deteção deste último tipo de
partículas.
Fonte: Universidade Coimbra