Projeto DAEDALUS, liderado por Ricardo Araújo, propõe metodologia baseada no ouvido interno para estimar temperaturas corporais em espécies extintas
Ricardo Araújo, docente do
Instituto Superior Técnico da ULisboa e investigador no Centro de Recursos
Naturais e Ambiente (CERENA), foi distinguido com uma bolsa do European
Research Council (ERC). O financiamento, no valor de 2 milhões de euros,
permitirá avançar com o Projeto DAEDALUS, uma proposta que procura determinar
quando surgiu a endotermia - a capacidade de manter uma temperatura corporal
estável - na linhagem que liga os dinossauros às aves.
O projeto recorre ao índice de
termo-motilidade (TMI), uma métrica biofísica que resulta da análise da
anatomia dos canais semicirculares do ouvido interno. Estes canais, que
desempenham funções no equilíbrio e na perceção do movimento, apresentam características
cuja relação com a temperatura corporal pode ser quantificada. “O TMI
permitirá, assim, estimar temperaturas corporais em espécies extintas a partir
de dados anatómicos presentes nos fósseis”, explica Ricardo Araújo. A hipótese
central do projeto aponta para o surgimento da endotermia durante o Triásico.
Para validar o TMI, a equipa
terá de suprir limitações de dados “críticas”. “Atualmente, existem dados de
viscosidade para apenas uma espécie de ave (o pombo) e nenhum réptil”, aponta.
Entre estas está o registo sistemático dos movimentos reais da cabeça de
tetrápodes modernos, permitindo aferir a precisão dos modelos biomecânicos
utilizados. O projeto inclui ainda o estudo da relação de escala entre o
labirinto ósseo e o labirinto membranoso em diferentes grupos de vertebrados,
de modo a aprofundar o conhecimento sobre os tecidos moles do ouvido interno.
“Tentar determinar a
temperatura de um dinossauro apenas com fósseis é como tentar adivinhar a
velocidade máxima de um carro antigo apenas olhando para a sua carcaça
ferrugenta. O Project DAEDALUS propõe-se a reconstruir o motor (anatomia
interna), analisar o combustível (viscosidade da endolinfa) e ver como o carro
se comportava na estrada (movimento da cabeça) para saber quão “quente” o motor
realmente corria”, enquadra Ricardo Araújo.
A componente laboratorial será
reforçada pelo “desenvolvimento de protocolos cirúrgicos específicos e pela
construção de um nanoviscosímetro, instrumento destinado a medir a viscosidade
da endolinfa” (fluido existente nos canais semicirculares e cuja composição
influencia diretamente os cálculos associados ao índice). Em complemento aos
estudos experimentais e de modelação, está prevista a realização de trabalho de
campo em formações do Triásico, com o “objetivo de recolher fósseis de grupos
basais de dinossauros considerados fundamentais para testar as hipóteses
evolutivas em investigação”, destaca Ricardo Araújo.
À equipa vão juntar-se também
otorrinolaringologistas, veterinários, biólogos, e engenheiros, estando
previstas mais escavações em Portugal e em Moçambique. “O projeto DAEDALUS não
estará apenas a tentar ler um mapa antigo (os fósseis); estará a construir uma
“lente” inteiramente nova (com um nanoviscosímetro e recorrendo a algoritmos de
IA) que permitirá à comunidade científica ver detalhes fisiológicos que, até
agora, eram invisíveis a olho nu”, defende o investigador.
A atribuição da bolsa ERC
posiciona o Instituto Superior Técnico da ULisboa “na vanguarda da biologia
evolutiva e paleobiologia mundial, transformando-a num polo central de inovação
tecnológica aplicada à ciência fundamental”, conclui o investigador, convertendo-o
num “centro de engenharia, onde as ferramentas para descodificar a fisiologia
do passado são inventadas e validadas para o mundo inteiro”.
Fonte: Instituto Superior
Técnico da Universidade de Lisboa
