Luís Mendão, diretor-geral do GAT - Grupo de Ativistas em Tratamentos, apela à integração da vacina contra a zona no Plano Nacional de Vacinação. "Os custos diretos elevados da vacina tornam a prevenção um privilégio acessível, apenas, a uma minoria economicamente favorecida", alerta.
O envelhecimento populacional
coloca-nos perante um dilema sem precedentes. Ao mesmo tempo que celebramos a
conquista de uma vida mais longa – e ainda bem que assim é -, enfrentamos o
desafio de garantir que os anos de vida adicionais são vividos em pleno. Não
basta viver mais, é preciso viver também melhor, paradigma que exige um
equilíbrio entre a promoção do bem-estar e da qualidade de vida e a gestão do
impacto financeiro que este envelhecimento traduz para os sistemas de saúde.
Perante este cenário, o destaque vai para a prevenção, receita com sucesso já
confirmado a todos os níveis: ao mesmo tempo que impede as consequências da
doença, evita os gastos que o seu tratamento iria implicar.
O Herpes Zoster, conhecido
como Zona, ilustra perfeitamente esta problemática. Esta doença, causada pelo
vírus que, na infância, a muitos causou varicela, ressurge décadas depois,
afetando um em cada três pessoas maiores de 50 anos e com especial impacto em
pessoas de qualquer idade com doenças que afetam o sistema imunitário. E com um
impacto que pode ser devastador: além da erupção cutânea que lhe é particular,
pode causar dor lancinante, a complicação mais frequente, que pode persistir
durante meses e até anos, ou ainda complicações na visão, eventos
cardiovasculares e cerebrovasculares, bem como hospitalização.
Um rasto de inquietações que
não se ficam por aqui, com impactos também a nível económico. O fardo é, como
confirmam vários estudos, significativo e direto para os sistemas de saúde, que
arcam com custos substanciais em tratamentos que apenas mitigam sintomas, sem
atacar a causa, mas também em dias de trabalho e produtividade perdidos para o
doente e para o seu cuidador, já que falamos de uma doença debilitante.
Os dados de que dispomos,
referentes à realidade nacional, expõe a dimensão alarmante deste problema:
entre julho de 2023 e junho de 2024 foram diagnosticados e precisaram de
cuidados de saúde 62.985 adultos com Zona, doença cujo custo anual estimado chega
aos 10,2 milhões de euros, o que inclui custos diretos (7,2 milhões de euros) e
indiretos para a economia nacional (2,4 milhões de euros).
O mais desconcertante aqui é
que existe prevenção para a Zona, conseguida através da vacinação, que está
cientificamente comprovada – um estudo publicado no New England Journal of
Medicine confirmou que a vacinação em adultos mais velhos é 97% eficaz na redução
do risco da doença. Face a esta evidência, seria lógico assumir que esta
questão é um não-problema. Mas a realidade mostra que não é esse o caso em
Portugal, onde a vacina existe, mas só disponível para alguns, criando uma
disparidade no acesso à prevenção que contradiz os princípios fundamentais do
nosso sistema de saúde.
Isto porque, ao contrário do
que se verifica já em vários países europeus que integraram esta vacina no seu
programa nacional de imunização ou, em alternativa, comparticipam a sua
aquisição, por cá não há nem uma ou outra medida, o que representa uma barreira
para a maioria dos cidadãos. Por cá, os custos diretos elevados da vacina
tornam a prevenção um privilégio acessível apenas a uma minoria economicamente
favorecida.
Em nome de uma poupança de
recursos para o Estado impede-se o direito à prevenção, que tem como
consequência… mais custos para este mesmo Estado. Uma ironia que representa uma
falha na proteção da saúde pública. Poupamos hoje para gastar exponencialmente
mais amanhã, um cálculo que não resiste ao mais básico escrutínio económico ou
humanitário.
Referência do estudo: Lal H,
Cunningham AL, Godeaux O, Chlibek R, Diez-Domingo J, Hwang SJ, et al. Efficacy
of an Adjuvanted Herpes Zoster Subunit Vaccine in Older Adults. New England
Journal of Medicine. 2015;372(22).
Fonte: Sapo on-line saúde