Margarida Lucas Rocha, interna
de Reumatologia da Unidade Local de Saúde do Algarve, alerta para as aftas
recorrentes, que podem ser primeiro sinal de uma doença inflamatória crónica,
como a Doença de Behçet.
As aftas, pequenas lesões
dolorosas na boca, afetam uma considerável fração da população num determinado
momento da vida. Habitualmente são de natureza benigna e tendem a desaparecer
em poucos dias. Contudo, quando se manifestam de forma recorrente, são de
grandes dimensões ou acompanhadas por outros sintomas, podem ser o primeiro
sinal de uma doença inflamatória crónica, como a Doença de Behçet.
Descrita pela primeira vez
pelo dermatologista turco Hulusi Behçet em 1930, esta doença sistémica pode
também originar aftas genitais e envolver outros órgãos, como os olhos, a pele,
o sistema gastrointestinal, as articulações, e em casos de maior gravidade,
afetar o sistema nervoso e os vasos sanguíneos. É mais frequente em territórios
que integravam a antiga Rota da Seda, sendo rara em Portugal, com uma
prevalência estimada de 1,5 a 2,4 pessoas por cada 100.000 habitantes.
Ainda assim destaca-se como a
vasculite (doença por inflamação dos vasos) mais comum inserida na base de
dados nacional dos doentes reumáticos, o www.Reuma.pt
Embora a causa exata não seja
conhecida, acredita-se que a doença resulte da interação entre fatores
ambientais, num indivíduo geneticamente predisposto. É uma doença complexa, que
quanto mais precocemente diagnosticada, maior será a probabilidade de controlar
os sintomas e minimizar as complicações associadas.
Importa salientar que ter
aftas recorrentes não significa, a priori, que tenha Doença de Behçet, pois
estas podem ser consequentes a infeções, medicamentos, défices nutricionais,
entre outras causas. Contudo, se as aftas forem acompanhadas de lesões genitais
dolorosas, alterações na pele, dores articulares ou inflamação dos olhos é
essencial procurar um reumatologista.
Por outro lado, diagnosticar a
Doença de Behçet pode ser um verdadeiro desafio, dado que nenhum exame é
específico e a marcha diagnóstica pode demorar anos.
No entanto, há boas notícias:
atualmente existem diversos fármacos disponíveis que ajudam a controlar a
inflamação, a reduzir a frequência dos surtos e a melhorar a qualidade de vida.
O tratamento é ajustado à gravidade das manifestações e inclui desde a
colquicina a imunossupressores e terapias biotecnológicas que têm mostrado bons
resultados. Cada caso é único e requer um acompanhamento personalizado para
adaptar o tratamento às necessidades de cada doente e aos efeitos adversos dos
medicamentos.
A terapêutica precoce é
fundamental para reduzir a morbimortalidade e prevenir complicações,
particularmente em doentes jovens, cujo impacto na qualidade de vida,
psicológico e financeiro da doença pode ser devastador. Acresce o sofrimento
dos familiares. As associações de doentes têm também um papel essencial,
oferecendo apoio, recursos e conscientização sobre a doença entre pares.
No mês de fevereiro, dedicado
às doenças raras, é fundamental aumentar a sensibilização para esta condição,
promovendo o seu conhecimento e incentivando a população a procurar um
reumatologista para o diagnóstico e tratamento precoces. A chave para um diagnóstico
eficaz passa por promover a literacia em saúde, estar atento aos sinais e
sintomas, em particular a aftas frequentes e, em caso de dúvida, consultar um
especialista em Reumatologia.
Referências
bibliográficas:
1 - Souza-Ramalho P, D’Almeida MF, Freitas JP, Pinto J. Behçet’s disease
in Portugal, ACTA MÉDICA PORTUGUESA 1991; 4:79-82;
2 - Grupo Nacional para o Estudo da Doença de Behçet, Jorge Crespo.
Doença de Behçet – Casuística nacional. Medicina interna 1997;4(4):225-232;
3 - Ponte C, Khmelinskii N, Teixeira V. Reuma.pt/vasculitis – the
Portuguese vasculitis registry. Orphanet J Rare Dis. 2020 May 5;15(1):110;
4 - De Aguiar M, Silva de Souza A, Martinho J. Systemic Vasculitides in
Portugal and Brazil: Preliminary Results from the Reuma.pt/Vasculitis Registry
[abstract]. Arthritis Rheumatol. 2023; 75 (suppl 9).
Fonte: Sapo on-line saúde