Por: JGA // JEF
Fonte: Lusa
O Centro de Reabilitação
Rovisco Pais dinamiza há dez anos surf adaptado na Praia da Tocha para os seus
doentes, com a atividade a assumir-se como uma “arma terapêutica” e, para
muitos, um regresso à praia que achavam impossível.
A manhã de sábado é de
nevoeiro e até se sente alguma chuva na Praia da Tocha, no concelho de
Cantanhede, mas nada parece demover utentes e voluntários que se juntam para
mais um dia de surf adaptado, iniciativa que começou em 2014 e cujos resultados
são tão positivos que se tem repetido todos os anos desde então.
O receio que poderia haver de
entrar no mar rapidamente é substituído por sorrisos rasgados em cima de
pranchas, há quem peça para repetir e há quem prolongue um pouco o momento, já
à beira-mar, com a água nos pés e a saborear aquilo que para muitos é um
primeiro regresso à praia.
Amílcar Mendes está sentado
junto ao mar, com fato de surf vestido, a contemplar as ondas, e só tem coisas
boas a dizer da experiência, para a qual estava com bastantes expectativas.
“Foi muito bom, melhor até do
que aquilo que eu estava à espera”, conta à agência Lusa o homem de 74 anos, da
Marinha Grande.
Foi a primeira vez que
experimentou estar na água desde que é utente do Rovisco Pais, centro de
medicina de reabilitação localizado na Tocha que faz parte da Unidade Local de
Saúde de Coimbra.
“Depois de ficar doente ainda
não tinha tido a experiência de estar na água e foi muito bom. Experimentar a
leveza do corpo… é outra liberdade”, conta Amílcar, que nunca tinha imaginado
que algum dia estaria sequer em cima de uma prancha de surf.
O fisiatra e diretor do
serviço de lesões medulares do Rovisco Pais, Paulo Margalho, diz que a
iniciativa começou com um desafio das pessoas surf da Tocha, há dez anos e,
desde então, em parceria com três escolas de surf locais, o hospital tem
repetido a experiência.
“O desporto é uma arma
terapêutica, tal como o medicamento e a fisioterapia. E aqui, além da vertente
lúdica que tem, saem da rotina do hospital e acabam sempre animados e
satisfeitos”, notou.
Segundo o médico, com esta
experiência, além da possibilidade de terem outra liberdade de movimentos na
água, “revivem um bocadinho o antes da lesão”.
“Muitos não achavam que
poderiam ir ao mar, muito menos fazer surf e vê-se o sorriso que têm assim que
apanham a onda”, constatou, considerando que a iniciativa motiva também o
regresso ao domicílio e mostra que é possível, com alguma adaptação, “a retoma
da vida lá fora”.
Todos os anos participam entre
15 e 20 utentes, entre internados e outros que já tiveram alta, com a ajuda das
escolas de surf, mas também de vários funcionários do Rovisco Pais, que
colaboram de forma voluntária nesta iniciativa.
É o caso de Marcos Vinícius,
de 26 anos, que já tinha participado na iniciativa há dois anos e que é membro
da equipa de andebol adaptado do Rovisco Pais.
“Na altura, foi a primeira vez
que fui ao mar depois do acidente. Não sabia se ia conseguir, mas consegui
ficar equilibrado na prancha, também bebi um pouco de água, mas apanhei umas
ondas boas”, contou à Lusa o jovem que vive na Tocha e que ficou paraplégico em
2019, na sequência de um acidente de trabalho.
Há dois anos, o regresso à
praia, foi também “importante” para Marcos, numa fase “meio triste” da sua
vida.
“Há uma sensação de liberdade
ali e esqueces todos os problemas”, vinca.
À segunda vez, já foi com
“outra confiança”, voltou a beber água, mas apanhou “mais ondas”.
Já Marco Soares, de 24 anos,
que ficou paraplégico em março após um acidente de mota, admite “algum receio”,
mas acredita que “vai ser uma boa experiência”.
Os sorrisos do jovem de
Figueira Castelo Rodrigo em cima da prancha confirmaram o seu prenúncio.
“O que sabemos é que a partir
do momento da lesão estas primeiras experiências são muito importantes. Não
sabem como vai ser o acesso à praia e isto é uma primeira experiência de surf,
mas também a primeira vinda à praia, e isto não é só importante para eles, mas
também para a sua família, para mostrar que, com adaptações, é possível vir à
praia e até fazer surf”, apontou Bruno Salgueiro, professor de desporto
adaptado no Rovisco Pais.
Para o docente, que está
envolvido no projeto desde o seu arranque, a iniciativa é também um momento –
entre muitos outros - de desconstrução de barreiras que podem ser suplantadas e
preparar uma reabilitação com “o maior grau de independência possível”.