A incerteza da doença, a luta
com a dor e a necessidade de tratamento podem levar a problemas emocionais como
depressão e ansiedade
Por: Carlos Carneiro
“Internista e coordenador do Núcleo de Estudos de Doenças Autoimunes da
Sociedade Portuguesa de Medicina Interna”
O Lúpus Eritematoso Sistémico
(LES) é uma doença inflamatória crónica autoimune caraterizada pela produção de
auto-anticorpos e deposição de imunocomplexos em múltiplos órgãos, resultando
numa grande heterogeneidade de manifestações clínicas e afetação de um ou mais
órgãos.
O LES afeta predominantemente
o sexo feminino num rácio de cerca de 9:1, e em mais de 80%, ocorre em mulheres
em idade fértil. Estima-se que a prevalência em Portugal seja de 100 a 200/100
000 habitantes, superior aos restantes países na Europa do Sul onde varia entre
34 – 91 casos/100 000 habitantes.
A história natural da doença
caracteriza-se por um curso ondulante de episódios de recidivas intercalados
com períodos de remissão, com um prognóstico variável e que ocorrem mesmo sob
terapêutica. Nas últimas décadas, tem-se verificado uma redução da mortalidade
devido à doença e está descrita uma remissão progressiva a longo prazo, sendo
os eventos trombóticos a causa de morte mais frequente. Desta forma, a presença
de comorbilidades cardiovasculares (hipertensão arterial, tabagismo e
dislipidemia) ocupa um papel de relevo na avaliação de doentes com LES.
O LES pode ser avaliado em
duas dimensões: através da atividade da doença e da lesão órgão-alvo acumulada.
No LES não existem biomarcadores que possam prever a progressão da doença.
Vários estudos identificaram fatores de mau prognóstico na doença, sendo
globalmente reconhecidos: a idade jovem à data do diagnóstico, o género, o
estatuto socioeconómico, a etnia e a atividade da doença medida pelo SLEDAI. A
idade de início correlaciona-se com a expressão clínica, o padrão de órgãos
atingidos e os achados serológicos. Alguns estudos tentaram definir quais os
determinantes da morbilidade e mortalidade nos doentes com LES. Foram
destacados: atividade da doença (artrite, eritema malar, nefropatia ativa,
febre, envolvimento neurológico, fenómeno Raynaud, serosite, trombocitopenia e
trombose), infeções, hipertensão arterial, dislipidemia, tabagismo,
osteoporose, citopenias relacionadas com o uso de imunossupressores e
neoplasias.
O Sistema Nervoso (SN) é
frequentemente afetado e as manifestações neuropsiquiátricas (MNP) são a
segunda causa de morbimortalidade na doença. Não obstante serem um achado comum
com impacto significativo na qualidade de vida dos doentes, são provavelmente,
das menos compreendidas. O principal obstáculo prende-se com a distinção entre
LES Neuropsiquiátrico (LESNP) (MNP devidas à atividade da doença) e MNP
secundárias a outras condições associadas.
A disfunção cognitiva (DC),
também referida como “brain fog”, é uma das 19 síndromes neuropsiquiátricos
considerados pelo American College of Rheumatology (ACR) no LES. É uma
complicação frequente e das mais impactantes, embora considerada geralmente como
uma MNP menor. Os défices cognitivos podem manifestar-se precocemente após o
diagnóstico de LES ou como apresentação inaugural, sendo a sintomatologia
inespecífica e de difícil deteção. Este facto, aliado à falta de um método de
avaliação cognitiva consensual, eficaz e de aplicação universal na prática
clínica, contribuem para o subdiagnóstico da disfunção cognitiva no LES.
Acresce a inexistência de recomendações relativas à sua prevenção ou
tratamento. Este conjunto de circunstâncias e o impacto brutal da disfunção
cognitiva na qualidade de vida dos doentes, traduzido por perturbações na
autonomia e funcionalidade, alterações nas relações interpessoais, incapacidade
para o trabalho e estigma social, tornam especialmente relevante o estudo desta
condição. Afigura-se, assim, pertinente uma perspetiva global e atual sobre o
tema de forma a possibilitar uma correta abordagem destes doentes.
O lúpus é mais do que uma
doença física, é um desafio que pode ter um impacto significativo na saúde
mental dos pacientes. A incerteza da doença, a luta com a dor e a necessidade
de tratamento podem levar a problemas emocionais como depressão e ansiedade. No
entanto, com a avaliação e tratamento adequados, com apoio social e uma
abordagem multidisciplinar, os doentes com lúpus podem aprender a lidar com
esses desafios e viver uma vida plena e gratificante. É imperativo que os
médicos estejam atentos à saúde mental dos seus doentes pois esta é um direito
e não um privilégio.
Fonte: Sapo on-line Saúde