Filipa Jorge Teixeira
Fez agora um ano que o Serviço
de Oftalmologia da ULS de Santa Maria começou a realizar uma cirurgia que,
embora se destine a resolver um tipo de estrabismo muito pouco comum, devolve
aos que dela usufruem a qualidade de vida que haviam perdido e com menos
efeitos secundários do que as técnicas tradicionalmente utilizadas.
Em causa está o estrabismo por
paralisia completa de músculos extraoculares, para cujo tratamento existe agora
no Hospital de Santa Maria uma solução bastante mais eficaz.
Feitas as contas, são
atendidos anualmente na Consulta de Estrabismo do Serviço de Oftalmologia da
agora ULS de Santa Maria uns 400 novos doentes de todas as idades. Apresentam
alguma das variantes daquela patologia, que pode ser bastante penalizadora para
quem dela sofre, adicionalmente à alteração estética causada pela típica imagem
dos “olhos tortos”.
Aproximadamente metade dos
doentes são adultos, um terço dos quais sofre de uma paralisia oculomotora,
sendo que apenas 20% destes últimos são elegíveis para esta cirurgia inovadora.
Assim se explica que, um ano depois de a técnica ter sido introduzida no maior
hospital de Lisboa, a lista de espera para esta intervenção não ultrapasse em
muito uma dezena de doentes, apesar de apenas terem sido realizadas 20
cirurgias entre setembro de 2023 e o final de setembro de 2024.
É Filipa Jorge Teixeira quem
assegura, basicamente, o funcionamento da Consulta de Estrabismo, a que dedica
as quartas-feiras, desde manhã cedo até meio da tarde, atendendo, em média, uns
22 utentes, entre crianças e adultos.
A grande maioria das crianças
chega referenciada por outros oftalmologistas, desde logo do próprio Serviço,
até porque mesmo as que apresentam uma suspeita de estrabismo passam primeiro
pela Consulta de Oftalmologia Pediátrica, que é o que, por norma, sucede com os
menores encaminhados dos Cuidados de Saúde Primários pelos médicos de família.
Se bem que possam aparecer
casos de estrabismo em recém-nascidos, a especialista refere que os utentes
mais pequenos têm normalmente entre 6 meses e 8 anos de idade. Já no que diz
respeito aos adultos, grande parte terá entre 40 e 60 anos, “embora em qualquer
idade se possa ter um tumor, um AVC ou um traumatismo, na sequência, por
exemplo, de um acidente de viação, capaz de originar uma situação de
estrabismo”, esclarece a médica.
Começando por assumir a coordenação da Secção de Oftalmologia Pediátrica, Filipa Jorge Teixeira viria a aceitar, no início de 2023, coordenar igualmente a Secção de Estrabismo do Serviço de Oftalmologia.
Reduzir o
risco de complicações pós-operatórias e preservar os músculos saudáveis do olho
É com Rita Gama que Filipa
Jorge Teixeira discute os casos mais complexos que se lhe deparam. Aliás, faz
questão de deixar claro que a implementação, em Santa Maria, da cirurgia
inovadora para o tratamento das situações originadas por uma paralisia completa
de músculos extraoculares se deve àquela especialista em estrabismo.
“Esta técnica minimamente
invasiva reduz o risco de complicações pós-operatórias e preserva os músculos
saudáveis do olho, devolvendo qualidade de vida aos doentes intervencionados”,
explica, justificando:
“De facto, o estrabismo por
paresia oculomotora leva frequentemente a uma marcada deterioração da qualidade
de vida de quem sofre deste problema. Muitos doentes tornam-se
mesmo incapazes de exercer a
sua atividade profissional, em consequência da diplopia que provoca e, por
vezes, do torcicolo grave associado. O procedimento inovador utiliza a
transposição de músculos extraoculares funcionantes para o território do músculo
que, por paralisia, se encontra sem função.”
“A técnica que aqui
implementámos poupa a vascularização dos músculos, ao contrário de outras
cirurgias usadas nesta área, o que resulta na melhoria do prognóstico final e
na redução do risco de inflamação e baixa visão no pós-operatório”, acrescenta
Rita Gama, prosseguindo: “A intervenção implica uma transposição muscular sem o
seu seccionamento, apenas com o deslizamento de uma porção do músculo, o que
permite obter resultados igualmente eficazes e preservar os músculos
funcionantes.”
Desenvolvida num centro
oftalmológico universitário japonês, terá sido pela primeira vez descrita em
2010 e só nos últimos 5 anos é que terão começado a ser apresentadas algumas
utilizações pontuais desta técnica. “Em publicações científicas, devem estar
descritos apenas uns 20 casos em que foi usada em situações semelhantes às
nossas, sendo sobretudo em congressos que se ouve falar da mesma”, adianta
Filipa Jorge Teixeira.
“Embora se trate de situações
raras as que são assim resolvidas, a utilização desta cirurgia torna-se
bastante gratificante. Muitos destes doentes são relativamente jovens e a
circunstância de apresentarem diplopia faz com que não consigam desenvolver a sua
atividade profissional, ou então assumem posições da cabeça que são
completamente incompatíveis com o ter uma vida normal”, frisa a coordenadora da
Secção de Estrabismo.
Rita Gama intervém para
reforçar que, “como há um músculo que não funciona, há sempre uma posição em
que aquele não tem tanta intervenção, permitindo à pessoa não ver
duas imagens em simultâneo,
obrigando, contudo, a manter a cabeça sempre virada”.
O
estrabismo é uma patologia muito desafiante, não linear
“Quando um músculo deixa de
funcionar, é muito difícil conseguirmos ter um equilíbrio total do movimento
dos olhos, mas há duas posições que nós privilegiamos, tendo em conta que
passamos a maior parte da nossa vida a olhar em frente e para baixo", afirma
Rita Gama.
Segundo a especialidade,
"já havia cirurgias que ajudavam a conseguir esse equilíbrio, mas que
castigavam um pouco os músculos a que se recorria para compensar aquele que não
estava em condições. Essas intervenções mais clássicas afetam a sua vascularização,
originando mais efeitos secundários a médio e a longo prazo".
No fundo, de acordo com Rita
Gama, o que traz de verdadeiramente inovador a cirurgia que agora se vem
realizando no Hospital de Santa Maria para tratar este estrabismo por paralisia
é que “poupa mais os músculos, sendo tão ou mais eficaz do que as outras”.
A especialista confirma serem,
de facto, raras as situações – “mesmo muito pontuais” que podem usufruir desta
cirurgia, tanto que, embora trate bastantes estrabismos, ela própria só ainda
aplicou a nova técnica cirúrgica em Santa Maria.
Com uma grande diferenciação
nesta área, Rita Gama reconhece haver uma carência de profissionais que a ela
se queiram dedicar de uma forma mais intensa, admitindo ser “pouco popular” na
sua especialidade.
E porquê? “Considero ser
necessário que no internato se faça, desde logo, um exercício de adaptação ao
raciocínio muito próprio do estrabismo, raciocínio esse que se perde com
facilidade quando não se lida regularmente com esta patologia tão específica. E
é preciso gostar!”
Termos os
olhos alinhados é importantíssimo para o bem-estar
Para Mun Yueh de Faria, a
introdução desta técnica inovadora no tratamento de casos de estrabismo causado
por paralisia completa de músculos extraoculares no Serviço de Oftalmologia da
ULS de Santa Maria “resulta, sem dúvida, da capacidade de trabalho e do empenho
dos nossos profissionais, algo transversal aos vários departamentos”.
Relativamente à patologia em
causa, “ter os olhos desalinhados é muito desagradável, não só em termos
funcionais, mas também esteticamente, sendo importante saber-se que
praticamente todos os estrabismos, seja em crianças como em adultos, são hoje
em dia tratáveis”.
“Termos os olhos alinhados é
importantíssimos para o bem-estar e para a confiança que cada pessoa pode ter
de si própria”, afirma a responsável, confirmando que é o adulto não tratado
quem sofre mais com a situação, pois, “a criança mais pequena não se apercebe”.
Mun Yueh de Faria faz questão
de realçar quão importante foi a especialista Rita Gama ter-se disponibilizado
para colaborar com o Serviço de Oftalmologia da ULS de Santa Maria. E esclarece
porquê: “Para além do que nos trouxe em termos de inovação, importa referir que
a Oftalmologia Pediátrica e a área do estrabismo parecem interessar muito pouco
aos nossos colegas mais jovens e, por isso, nesta matéria, nós estávamos
bastante carentes de ajuda.”
“As causas de estrabismo são
múltiplas, sendo que nas crianças tem geralmente que ver com a falta de
controlo adequado dos músculos oculares, que recebem mensagens erradas do
cérebro. Há depois uma pequena minoria de casos em que existem problemas na inserção
daqueles músculos, que nos adultos são habitualmente situações adquiridas, por
exemplo, na sequência de traumatismos ou de acidentes vasculares cerebrais”,
explica Rita Gama, acrescentando:
“Quando um músculo deixa de
funcionar, é muito difícil conseguirmos ter um equilíbrio total do movimento
dos olhos, mas há duas posições que nós privilegiamos, tendo em conta que
passamos a maior parte da nossa vida a olhar em frente e para baixo. Já havia
cirurgias que ajudavam a conseguir esse equilíbrio, mas que castigavam um pouco
os músculos a que se recorria para compensar aquele que não estava em
condições. Essas intervenções mais clássicas afetam a sua vascularização,
originando mais efeitos secundários a médio e a longo prazo.”
Fonte: Just News