domingo, 9 de março de 2025

“Aftas: Um Sinal de Alerta para a Doença de Behçet?”


Margarida Lucas Rocha, interna de Reumatologia da Unidade Local de Saúde do Algarve, alerta para as aftas recorrentes, que podem ser primeiro sinal de uma doença inflamatória crónica, como a Doença de Behçet.

As aftas, pequenas lesões dolorosas na boca, afetam uma considerável fração da população num determinado momento da vida. Habitualmente são de natureza benigna e tendem a desaparecer em poucos dias. Contudo, quando se manifestam de forma recorrente, são de grandes dimensões ou acompanhadas por outros sintomas, podem ser o primeiro sinal de uma doença inflamatória crónica, como a Doença de Behçet.

Descrita pela primeira vez pelo dermatologista turco Hulusi Behçet em 1930, esta doença sistémica pode também originar aftas genitais e envolver outros órgãos, como os olhos, a pele, o sistema gastrointestinal, as articulações, e em casos de maior gravidade, afetar o sistema nervoso e os vasos sanguíneos. É mais frequente em territórios que integravam a antiga Rota da Seda, sendo rara em Portugal, com uma prevalência estimada de 1,5 a 2,4 pessoas por cada 100.000 habitantes.


Ainda assim destaca-se como a vasculite (doença por inflamação dos vasos) mais comum inserida na base de dados nacional dos doentes reumáticos, o www.Reuma.pt

Embora a causa exata não seja conhecida, acredita-se que a doença resulte da interação entre fatores ambientais, num indivíduo geneticamente predisposto. É uma doença complexa, que quanto mais precocemente diagnosticada, maior será a probabilidade de controlar os sintomas e minimizar as complicações associadas.

Importa salientar que ter aftas recorrentes não significa, a priori, que tenha Doença de Behçet, pois estas podem ser consequentes a infeções, medicamentos, défices nutricionais, entre outras causas. Contudo, se as aftas forem acompanhadas de lesões genitais dolorosas, alterações na pele, dores articulares ou inflamação dos olhos é essencial procurar um reumatologista.

Por outro lado, diagnosticar a Doença de Behçet pode ser um verdadeiro desafio, dado que nenhum exame é específico e a marcha diagnóstica pode demorar anos.

No entanto, há boas notícias: atualmente existem diversos fármacos disponíveis que ajudam a controlar a inflamação, a reduzir a frequência dos surtos e a melhorar a qualidade de vida. O tratamento é ajustado à gravidade das manifestações e inclui desde a colquicina a imunossupressores e terapias biotecnológicas que têm mostrado bons resultados. Cada caso é único e requer um acompanhamento personalizado para adaptar o tratamento às necessidades de cada doente e aos efeitos adversos dos medicamentos.

A terapêutica precoce é fundamental para reduzir a morbimortalidade e prevenir complicações, particularmente em doentes jovens, cujo impacto na qualidade de vida, psicológico e financeiro da doença pode ser devastador. Acresce o sofrimento dos familiares. As associações de doentes têm também um papel essencial, oferecendo apoio, recursos e conscientização sobre a doença entre pares.

No mês de fevereiro, dedicado às doenças raras, é fundamental aumentar a sensibilização para esta condição, promovendo o seu conhecimento e incentivando a população a procurar um reumatologista para o diagnóstico e tratamento precoces. A chave para um diagnóstico eficaz passa por promover a literacia em saúde, estar atento aos sinais e sintomas, em particular a aftas frequentes e, em caso de dúvida, consultar um especialista em Reumatologia.

 

Referências bibliográficas:

 

1 - Souza-Ramalho P, D’Almeida MF, Freitas JP, Pinto J. Behçet’s disease in Portugal, ACTA MÉDICA PORTUGUESA 1991; 4:79-82;

2 - Grupo Nacional para o Estudo da Doença de Behçet, Jorge Crespo. Doença de Behçet – Casuística nacional. Medicina interna 1997;4(4):225-232;

3 - Ponte C, Khmelinskii N, Teixeira V. Reuma.pt/vasculitis – the Portuguese vasculitis registry. Orphanet J Rare Dis. 2020 May 5;15(1):110;

4 - De Aguiar M, Silva de Souza A, Martinho J. Systemic Vasculitides in Portugal and Brazil: Preliminary Results from the Reuma.pt/Vasculitis Registry [abstract]. Arthritis Rheumatol. 2023; 75 (suppl 9).

Fonte: Sapo on-line saúde

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