Por: Lusa
A ex-diretora-geral da Saúde
Graça Freitas prevê que a próxima pandemia seja "muitíssimo mais complexa",
rápida, ruidosa e com um aumento significativo das "fraturas sociais"
em questões como o confinamento e a vacinação
Com experiência em emergências
de saúde pública desde 1997, Graça Freitas falou, em entrevista à agência Lusa,
sobre os desafios de uma “próxima grande epidemia ou pandemia” num mundo mais
complexo, com muito mais fontes de informação verdadeira, mas também falsa.
Cinco anos depois do
aparecimento dos primeiros casos de covid-19 em Portugal, em 02 de março de
2020, a especialista em saúde pública acredita que se aprendeu muito nesse
período e que o sistema de saúde e as autoridades estão mais bem preparadas
para enfrentar uma nova pandemia, mas avisou que “a próxima já estará noutro
patamar”.
“Não creio que vá ser perfeito
[o combate]. É impossível, até porque o mundo está muito mais complexo e há
muito mais fontes de informação verdadeira e não verdadeira”, afirmou,
recordando que, quando começou a trabalhar em epidemias e pandemias, como a de
gripe A em 2009, “o mundo era muito menos complexo”.
Havia fontes de informação
científica, os peritos aconselhavam os políticos e os órgãos de comunicação
social tradicionais dominavam.
“Era um mundo com menos
conexões, interações, menos rápido e mais seguro”, enquanto no cenário atual,
“as coisas são cada vez mais rápidas e mais complexas”, comentou.
Por isso, alertou: “Uma
próxima grande epidemia ou pandemia — que vamos ter de certeza – vai ser
muitíssimo mais complexa, muitíssimo mais rápida, muitíssimo mais ruidosa e com
muitíssimas mais fraturas sociais”.
Segundo a especialista, haverá
“mais fricções sociais e opiniões divergentes entre movimentos da sociedade”,
em relação aos confinamentos, às vacinas, aos medicamentos.
“Não sei
se vamos voltar a ter um confinamento tão ordeiro como tivemos"
“A menos que uma próxima
pandemia seja tão grave, tão grave, tão grave que nos una a todos novamente”,
sublinhou, considerando que a adesão da população às orientações das
autoridades na pandemia de covid-19 “foi absolutamente exemplar”, o que já não
deverá acontecer de uma forma tão ordeira numa próxima pandemia.
“Não sei se vamos voltar a ter
um confinamento tão ordeiro como tivemos em Portugal e na grande maioria dos
países do mundo”, disse Graça Freitas, um dos rostos da luta contra a covid-19
em Portugal.
Graça Freitas defendeu que a
adesão da população às orientações das autoridades foi “uma coisa absolutamente
única de civismo e de participação social”, enaltecendo também o papel dos que
ficaram a trabalhar para garantir que não faltavam os bens essenciais, como a
água, luz, gás, alimentação, a quem estava confinado em casa.
Apesar da pandemia, que só em
Portugal matou cerca de 29.000 pessoas, “a vida funcionou” e a população tem de
se “orgulhar imenso disso”.
Realçou que o país teve a
capacidade de, em poucos dias, se organizar e cada um ter o seu papel: “Uns
ficaram em contenção em casa, outros a produzir bens alimentares, outros a
fazer conferências de imprensa, mas cada pessoa cumpriu um determinado papel e
cumpriu bem”.
“Foi uma coisa que eu ainda
hoje considero extraordinária durante a pandemia”, declarou.
"Nunca projetei para mim
própria que podia ser identificada como uma cara da pandemia”
Da sua vivência, Graça Freitas
lembra que quase não acreditava quando chegava à varanda da sua casa e não via
ninguém nas ruas.
“Digo muitas vezes: foi noutra
vida, foi noutra encarnação, porque foi de facto um acontecimento intenso para
a maior parte das pessoas. Diferente do que estavam habituadas na sua rotina e
de certa forma antinatural”, contou.
Sobre se alguma vez pensou que
ficaria para a História como um dos rostos do combate à pandemia, afirmou que
não: “E mesmo se pensasse que podia ter uma epidemia (…), nunca, mas nunca
projetei para mim própria que podia ser identificada como uma cara da pandemia”.
Durante a pandemia, Graça
Freitas enfrentou vários desafios, como ameaças, críticas, um cancro de mama,
mas desistir “nunca foi opção”.
Contou que, por vezes, minutos
antes de adormecer pensava: “Não aguento mais isto, amanhã saio (..) estou tão
cansada, isto é tão difícil”. No entanto, “era um desânimo instantâneo, no dia
seguinte já não estava lá”.
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