Foto: Miguel Valle de Figueiredo
O Palácio dos Marqueses de
Fronteira e Alorna, em Benfica, é um dos mais deslumbrantes palácios de
Portugal. Marcado por uma arquitectura singular, de influência italiana, por
uma colecção única de azulejos do século XVII e por uma história familiar que se
cruza com a portuguesa, é uma jóia em Lisboa, rodeada de magníficos jardins.
EXPERIÊNCIA
IMERSIVA
Classificado como Monumento
Nacional desde 1982, o palácio recebe todos os anos cerca de trinta mil
visitantes estrangeiros, de mais de sessenta nacionalidades diferentes. As
visitas, sempre guiadas, falam da história da família e, através dela, de
Portugal, e sublinham as artes decorativas, como os azulejos ou o mobiliário
indo-português, que aqui são das mais representativas do património nacional.
Milhares de pessoas obtêm no Palácio Fronteira uma experiência imersiva na
história e cultura do nosso país.
VILLA
ITALIANA EM LISBOA
Construída como quinta de
recreio por e para o 1.º marquês de Fronteira, no século XVII, este palácio e
os seus jardins materializam a celebração das vitórias conseguidas contra os
espanhóis nas Guerras da Restauração (1640-1668), com a consagração de uma nova
dinastia real, a Casa de Bragança, e uma nova era a partir de então para a
família Mascarenhas.
Além disso, este conjunto
único materializa também o gosto, a cultura e o enorme cosmopolitismo, mesmo
sem viajar (tanto quanto sabemos), do 1.º marquês de Fronteira. De facto, Dom
João Mascarenhas, membro do Conselho do rei e herói das batalhas da Restauração,
e o seu arquitecto, provavelmente João Nunes Tinoco, inspiraram-se na
arquitectura renascentista italiana, na tratadística de Sebastiano Serlio
(1475-1554), num esforço para fazer “fora de época” uma villa italiana, como
uma Villa Medicci ou uma Farnesina, em Roma. De facto, não faltam arcos ditos
serlianos, loggie, medalhões de cerâmica a replicar os Della Robbia, entre
outros elementos arquitectónicos.
UM MÉDICI
NO PALÁCIO FRONTEIRA
Um dos relatos mais
interessantes sobre o actual Palácio Fronteira foi produzido por um dos membros
da comitiva de Cosmo de Médici a Portugal, em 1669, e descreveu-o como “a
quinta do conde da Torre”. Nos vários passeios que o grão-duque da Toscana,
Cosme III, realizou em Lisboa, quando aqui fez “escala” na sua peregrinação
rumo a Santiago de Compostela, visitou este palácio e jardins, na altura ainda
em construção, mas, segundo o relato, já se podiam admirar as fontes, as
estátuas, o lago e os famosos azulejos! O autor desta descrição, Corsini,
referiu que a quinta estava a ser “arranjada com gosto” de um estrangeiro,
neste caso italiano. Seria impossível um elogio melhor!
JARDIM
CHEIO DE SEGREDOS
Além dos azulejos, o elemento
que mais atrai a visita ao Palácio Fronteira é o jardim. Com influências
europeias e até orientais, não deixa de ser um verdadeiro jardim português ou
mediterrâneo, um giardino secreto rodeado de muros e recantos, que convidavam à
privacidade, ao recato, à meditação e à frescura no contexto de um clima que
chega a ser tórrido nos meses de Verão. E depois há os outros segredos... Este
conjunto da antiga Quinta dos Loureiros compreendia aquilo que tradicionalmente
se entendia por quinta: a casa, o jardim, o pomar, a horta e a mata.
Nestes oito hectares de
Monsanto, encontra-se tudo isso. Mas o mais deslumbrante são os jardins que
rodeiam o palácio – o jardim de Aparato, o de Vénus e o do Laranjal. Juntam os
essenciais elementos botânicos com estruturas arquitectónicas que fazem parte
do que se considerava um jardim: muros, alegretes, fontes, estátuas,
namoradeiras, pérgulas, mesas de pedra e o espaço de um antigo
jardim-labirinto!
GALERIA
PARA REIS E TANQUE PARA CAVALEIROS
As estruturas mais
impressionantes dos jardins são o Tanque dos Cavaleiros e a Galeria dos Reis.
Esta última apresenta-se como outro palácio, um cenário próprio da arquitectura
efémera, para festas e celebrações. A estrutura, tal como o palácio, celebra três
facetas: a monarquia (aqui representada desde o conde Dom Henrique até Dom João
VI, mas excluindo naturalmente os renegados Filipes de Espanha), a ascensão da
dinastia de Bragança, e a família Mascarenhas, representada por cavaleiros. A
diversão e a beleza são proporcionadas por elementos decorativos singulares
como os azulejos azuis de reflexo metálico (cobre), ou o lago onde se faziam
prolongados passeios de barco.
UM
SERVIÇO CHINÊS FEITO EM CACOS...
Uma das histórias mais
curiosas que podemos ouvir numa das visitas guiadas ao Palácio Fronteira é o
facto de a decoração do nártex da capela e da casa de fresco ser produzida por
pedacinhos de porcelana Ming, entre a decoração de embrechados: são pequenas
pedrinhas de várias cores, conchas e búzios, dispostas de forma a criar padrões
e elementos simétricos. Mas de onde vêm esses pedaços de porcelana e de vidros
partidos? Na altura a porcelana chinesa estava na moda em Portugal e na Europa,
depois de os portugueses terem introduzido pela primeira vez, em grandes
quantidades, este artefacto caríssimo no continente.
Segundo a tradição, os
fragmentos faziam parte de um enorme serviço de porcelana chinesa comprado pelo
1.º marquês de Fronteira e usado num enorme banquete oferecido neste palácio a
Dom Pedro, regente e futuro Dom Pedro II. Seria ele, aliás, a conceder o título
de marquês de Fronteira a Dom João Mascarenhas. No final do banquete, em sinal
de deferência para com tão augusta presença, o serviço foi partido, para que
mais nenhum mortal o usasse, e só se pudesse admirar no firmamento destes dois
tectos, como se de estrelas se tratasse...
AZULEJOS
E ALCIPE
O Palácio Fronteira é
normalmente conhecido pelos seus jardins, pela magnífica e única colecção de
azulejos e… pela 4.ª marquesa de Alorna. Em 1799, o sexto marquês de Fronteira
casou-se com a futura quinta marquesa de Alorna, filha de Alcipe. Duas das mais
importantes famílias e casas nobres de Portugal uniram-se então e Dona Leonor
de Almeida Portugal, a escritora Marquesa de Alorna, viveu aqui até à sua
morte, em 1839. Pelos salões deste palácio, passaram várias figuras eminentes
da cultura portuguesa, como Alexandre Herculano, e a notável escritora
inspirou-se nesta paisagem para produzir a sua obra. Uma das particularidades
do Palácio Fronteira é a sua transversalidade. Tanto fascina o viajante comum
como personalidades globais, como a actriz Jane Birkin, que ficou deslumbrada
com este cenário.
Os azulejos são absolutamente
singulares pelas temáticas abordadas, como a mitologia, as macacarias, as cenas
de costumes, a caça e as cenas históricas. Um dos conjuntos mais interessantes
é aquele que pode ser encontrado na Galeria das Artes, onde as sete artes
liberais estão representadas em figuras de grandes dimensões. Nos bancos e
alegretes, podem ver-se as macacarias, pintadas em azul e branco e misturadas
com o verde da vegetação tropical. A encabeçar as artes liberais, está a
poesia, tida como maior na Renascença, e que foi sempre muito apreciada no seio
das famílias dos marqueses de Fronteira e Alorna.
TESOURO
BEM ESCONDIDO
Um dos segredos mais bem
guardados das colecções de arte em Portugal é um retrato da autoria de El
Greco, Doménikos Theotokópoulos, famoso pintor de origem grega que se
celebrizou em Espanha com obras-primas como O enterro do conde de Orgaz.
Trata-se da representação de Dom Lopo de Almeida, marido de Dona Joana
Portugal, quintos-avós de Alcipe. Dom Lopo era, na altura da união ibérica,
alcaide de Alcobaça e sua mulher era filha de Dom João de Portugal, o célebre
Frei Luís de Sousa imortalizado por Almeida Garrett. Está aliás sepultado na
vizinha Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em São Domingos de Benfica.
OS TÁVORA
E O TERRAMOTO DE 1755
Outra curiosidade do Palácio
Fronteira é a resistência deste a dois cataclismos ocorridos na época
pombalina: um, natural, o terramoto; e outro, político, a perseguição à família
Távora. De facto, o palácio, construído nas últimas décadas do século XVII,
resistiu quase sem danos ao terrível cataclismo de 1755, ao contrário do que
sucedeu ao palácio citadino da família, então localizado na Rua das Chagas. Por
essa razão a família dos marqueses de Fronteira optou por refugiar-se neste
palácio, até então residência “secundária”, como aconteceu com várias outras
famílias da aristocracia portuguesa e fixou-se definitivamente na zona de
Benfica.
Mais tarde, acrescentaria ao
corpo do século XVII uma nova ala, concebida pelo arquitecto Manuel Caetano de
Sousa, hoje conhecida como a ala do século XVIII. Sobre o outro cataclismo,
considerado por uns uma vitória do poder real sobre o aristocrático, e por
outros um prelúdio português da Revolução Francesa, o processo dos Távora
encontrou neste palácio a sua última memória viva: Alcipe, a 5.ª marquesa de
Alorna, filha de Dona Leonor de Lorena e Távora, por sua vez filha dos
marqueses de Távora, condes de São João da Pesqueira e condes de Alvor,
tornou-se, por morte de todos os seus parentes, a herdeira legítima da
representação destes títulos históricos. Por essa razão também, os seus
descendentes, nomeadamente o actual marquês de Fronteira e Alorna, são os
representantes desta família perseguida por Pombal. É certamente por isso que
poderá encontrar no palácio dois raríssimos pendões com o brasão da família
Távora, que foi mandado picar e destruir pelo marquês de Pombal em todas as
outras casas desta família. Estes foram os sobreviventes.
Fonte: National Geographic
Portugal
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