sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

“Palácio Fronteira: Éden inesperado”


Foto: Miguel Valle de Figueiredo

O Palácio dos Marqueses de Fronteira e Alorna, em Benfica, é um dos mais deslumbrantes palácios de Portugal. Marcado por uma arquitectura singular, de influência italiana, por uma colecção única de azulejos do século XVII e por uma história familiar que se cruza com a portuguesa, é uma jóia em Lisboa, rodeada de magníficos jardins.

 

EXPERIÊNCIA IMERSIVA

 

Classificado como Monumento Nacional desde 1982, o palácio recebe todos os anos cerca de trinta mil visitantes estrangeiros, de mais de sessenta nacionalidades diferentes. As visitas, sempre guiadas, falam da história da família e, através dela, de Portugal, e sublinham as artes decorativas, como os azulejos ou o mobiliário indo-português, que aqui são das mais representativas do património nacional. Milhares de pessoas obtêm no Palácio Fronteira uma experiência imersiva na história e cultura do nosso país.

 

VILLA ITALIANA EM LISBOA

 

Construída como quinta de recreio por e para o 1.º marquês de Fronteira, no século XVII, este palácio e os seus jardins materializam a celebração das vitórias conseguidas contra os espanhóis nas Guerras da Restauração (1640-1668), com a consagração de uma nova dinastia real, a Casa de Bragança, e uma nova era a partir de então para a família Mascarenhas.

Além disso, este conjunto único materializa também o gosto, a cultura e o enorme cosmopolitismo, mesmo sem viajar (tanto quanto sabemos), do 1.º marquês de Fronteira. De facto, Dom João Mascarenhas, membro do Conselho do rei e herói das batalhas da Restauração, e o seu arquitecto, provavelmente João Nunes Tinoco, inspiraram-se na arquitectura renascentista italiana, na tratadística de Sebastiano Serlio (1475-1554), num esforço para fazer “fora de época” uma villa italiana, como uma Villa Medicci ou uma Farnesina, em Roma. De facto, não faltam arcos ditos serlianos, loggie, medalhões de cerâmica a replicar os Della Robbia, entre outros elementos arquitectónicos.

 

UM MÉDICI NO PALÁCIO FRONTEIRA

 

Um dos relatos mais interessantes sobre o actual Palácio Fronteira foi produzido por um dos membros da comitiva de Cosmo de Médici a Portugal, em 1669, e descreveu-o como “a quinta do conde da Torre”. Nos vários passeios que o grão-duque da Toscana, Cosme III, realizou em Lisboa, quando aqui fez “escala” na sua peregrinação rumo a Santiago de Compostela, visitou este palácio e jardins, na altura ainda em construção, mas, segundo o relato, já se podiam admirar as fontes, as estátuas, o lago e os famosos azulejos! O autor desta descrição, Corsini, referiu que a quinta estava a ser “arranjada com gosto” de um estrangeiro, neste caso italiano. Seria impossível um elogio melhor!

 

JARDIM CHEIO DE SEGREDOS

 

Além dos azulejos, o elemento que mais atrai a visita ao Palácio Fronteira é o jardim. Com influências europeias e até orientais, não deixa de ser um verdadeiro jardim português ou mediterrâneo, um giardino secreto rodeado de muros e recantos, que convidavam à privacidade, ao recato, à meditação e à frescura no contexto de um clima que chega a ser tórrido nos meses de Verão. E depois há os outros segredos... Este conjunto da antiga Quinta dos Loureiros compreendia aquilo que tradicionalmente se entendia por quinta: a casa, o jardim, o pomar, a horta e a mata.

Nestes oito hectares de Monsanto, encontra-se tudo isso. Mas o mais deslumbrante são os jardins que rodeiam o palácio – o jardim de Aparato, o de Vénus e o do Laranjal. Juntam os essenciais elementos botânicos com estruturas arquitectónicas que fazem parte do que se considerava um jardim: muros, alegretes, fontes, estátuas, namoradeiras, pérgulas, mesas de pedra e o espaço de um antigo jardim-labirinto!

 

GALERIA PARA REIS E TANQUE PARA CAVALEIROS

 

As estruturas mais impressionantes dos jardins são o Tanque dos Cavaleiros e a Galeria dos Reis. Esta última apresenta-se como outro palácio, um cenário próprio da arquitectura efémera, para festas e celebrações. A estrutura, tal como o palácio, celebra três facetas: a monarquia (aqui representada desde o conde Dom Henrique até Dom João VI, mas excluindo naturalmente os renegados Filipes de Espanha), a ascensão da dinastia de Bragança, e a família Mascarenhas, representada por cavaleiros. A diversão e a beleza são proporcionadas por elementos decorativos singulares como os azulejos azuis de reflexo metálico (cobre), ou o lago onde se faziam prolongados passeios de barco.

 

UM SERVIÇO CHINÊS FEITO EM CACOS...

 

Uma das histórias mais curiosas que podemos ouvir numa das visitas guiadas ao Palácio Fronteira é o facto de a decoração do nártex da capela e da casa de fresco ser produzida por pedacinhos de porcelana Ming, entre a decoração de embrechados: são pequenas pedrinhas de várias cores, conchas e búzios, dispostas de forma a criar padrões e elementos simétricos. Mas de onde vêm esses pedaços de porcelana e de vidros partidos? Na altura a porcelana chinesa estava na moda em Portugal e na Europa, depois de os portugueses terem introduzido pela primeira vez, em grandes quantidades, este artefacto caríssimo no continente.

Segundo a tradição, os fragmentos faziam parte de um enorme serviço de porcelana chinesa comprado pelo 1.º marquês de Fronteira e usado num enorme banquete oferecido neste palácio a Dom Pedro, regente e futuro Dom Pedro II. Seria ele, aliás, a conceder o título de marquês de Fronteira a Dom João Mascarenhas. No final do banquete, em sinal de deferência para com tão augusta presença, o serviço foi partido, para que mais nenhum mortal o usasse, e só se pudesse admirar no firmamento destes dois tectos, como se de estrelas se tratasse...

 

AZULEJOS E ALCIPE

 

O Palácio Fronteira é normalmente conhecido pelos seus jardins, pela magnífica e única colecção de azulejos e… pela 4.ª marquesa de Alorna. Em 1799, o sexto marquês de Fronteira casou-se com a futura quinta marquesa de Alorna, filha de Alcipe. Duas das mais importantes famílias e casas nobres de Portugal uniram-se então e Dona Leonor de Almeida Portugal, a escritora Marquesa de Alorna, viveu aqui até à sua morte, em 1839. Pelos salões deste palácio, passaram várias figuras eminentes da cultura portuguesa, como Alexandre Herculano, e a notável escritora inspirou-se nesta paisagem para produzir a sua obra. Uma das particularidades do Palácio Fronteira é a sua transversalidade. Tanto fascina o viajante comum como personalidades globais, como a actriz Jane Birkin, que ficou deslumbrada com este cenário.

Os azulejos são absolutamente singulares pelas temáticas abordadas, como a mitologia, as macacarias, as cenas de costumes, a caça e as cenas históricas. Um dos conjuntos mais interessantes é aquele que pode ser encontrado na Galeria das Artes, onde as sete artes liberais estão representadas em figuras de grandes dimensões. Nos bancos e alegretes, podem ver-se as macacarias, pintadas em azul e branco e misturadas com o verde da vegetação tropical. A encabeçar as artes liberais, está a poesia, tida como maior na Renascença, e que foi sempre muito apreciada no seio das famílias dos marqueses de Fronteira e Alorna.

 

 

TESOURO BEM ESCONDIDO

 

Um dos segredos mais bem guardados das colecções de arte em Portugal é um retrato da autoria de El Greco, Doménikos Theotokópoulos, famoso pintor de origem grega que se celebrizou em Espanha com obras-primas como O enterro do conde de Orgaz. Trata-se da representação de Dom Lopo de Almeida, marido de Dona Joana Portugal, quintos-avós de Alcipe. Dom Lopo era, na altura da união ibérica, alcaide de Alcobaça e sua mulher era filha de Dom João de Portugal, o célebre Frei Luís de Sousa imortalizado por Almeida Garrett. Está aliás sepultado na vizinha Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em São Domingos de Benfica.

 

OS TÁVORA E O TERRAMOTO DE 1755

 

Outra curiosidade do Palácio Fronteira é a resistência deste a dois cataclismos ocorridos na época pombalina: um, natural, o terramoto; e outro, político, a perseguição à família Távora. De facto, o palácio, construído nas últimas décadas do século XVII, resistiu quase sem danos ao terrível cataclismo de 1755, ao contrário do que sucedeu ao palácio citadino da família, então localizado na Rua das Chagas. Por essa razão a família dos marqueses de Fronteira optou por refugiar-se neste palácio, até então residência “secundária”, como aconteceu com várias outras famílias da aristocracia portuguesa e fixou-se definitivamente na zona de Benfica.

Mais tarde, acrescentaria ao corpo do século XVII uma nova ala, concebida pelo arquitecto Manuel Caetano de Sousa, hoje conhecida como a ala do século XVIII. Sobre o outro cataclismo, considerado por uns uma vitória do poder real sobre o aristocrático, e por outros um prelúdio português da Revolução Francesa, o processo dos Távora encontrou neste palácio a sua última memória viva: Alcipe, a 5.ª marquesa de Alorna, filha de Dona Leonor de Lorena e Távora, por sua vez filha dos marqueses de Távora, condes de São João da Pesqueira e condes de Alvor, tornou-se, por morte de todos os seus parentes, a herdeira legítima da representação destes títulos históricos. Por essa razão também, os seus descendentes, nomeadamente o actual marquês de Fronteira e Alorna, são os representantes desta família perseguida por Pombal. É certamente por isso que poderá encontrar no palácio dois raríssimos pendões com o brasão da família Távora, que foi mandado picar e destruir pelo marquês de Pombal em todas as outras casas desta família. Estes foram os sobreviventes.

Fonte: National Geographic Portugal

Nenhum comentário:

Postar um comentário