quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

“I Guerra Mundial: Sedução, sexualidade no seio da Força Expedicionária Portuguesa”


Por: António Marrucho

Há assuntos que raramente são tratados. No entanto, eles não fazem parte da história, não deveriam fazer parte da história?

Neste texto, discutiremos a sexualidade durante a Primeira Guerra Mundial, especialmente dentro da Força Expedicionária Portuguesa (CEP). Não é um elemento importante para o moral das tropas? Existem duas profissões que estão mais intimamente ligadas do que soldado e prostituição? Mesmo que não vejamos apenas a prostituição, mas também o amor no que estamos prestes a contar.

Entre os alemães, os ingleses e os franceses, o assunto foi tomado em consideração e medidas concretas foram tomadas. E quanto ao lado do CEP?

Ao contrário dos países mencionados, Portugal não previu regras, não organizou... Ele deixou acontecer, infligindo punições aqui e ali quando havia violência, atrasos no retorno da licença.

O capitão David Magno, no seu "Livro de Guerra de Portugal na Flandres", escreve nas páginas 50 a 52: "... filhas ou mães, meninas ou socialites, todas ocupadas com algo honesto, vendendo cerveja, tabaco ou cartões-postais ou cultivando a terra do amanhecer ao anoitecer, trocando comida, uma vida de idas e vindas da sorte e da boa ou má vontade indolor dos indivíduos ao seu redor. Alguns anjos, outros demônios, alguns apaixonados, outros odiosos... No entanto, muitas delas, filhas da guerra, contribuíram imensamente para aliviar o sofrimento físico e moral de nosso soldado, desenterrado de sua pátria e do mundo de seus prazeres, encontrando na alma feminina, especialmente francesa, algo para prender seu coração à terra, seu corpo sendo ligado à guerra..."

Mais adiante, David Magno escreve: "... Durante o avanço do dia 24 (nota do editor: número regimental) em direção à frente ou em visita de instrução, oficiais, sargentos e soldados, indiscriminadamente, despediram-se familiarmente da população francesa, especialmente das mulheres, que eram física e espiritualmente muito agradáveis.


No romance de José Rodrigues dos Santos, recentemente publicado em França, "Esquecido", cujo título em português é "A Filha do Capitão", no capítulo V, o tema, obviamente romantizado, é abordado: "uma jovem magra, com um avental sujo na barriga, ziguezagueava suavemente entre as mesas amontoadas, com copos de cerveja branca na ponta dos dedos. Baltazar, o Velho, viu-a e estendeu a cabeça: "Você é boa! rugiu o veterano. Mademoiselle dorme comigo? Ela estava acostumada com os avanços dos soldados... Baltazar tomou um gole de cerveja... Hoje, temos que ir para as prostitutas. Baltazar ficou em silêncio. Matias e Abel se juntam a eles, e os quatro caminham pela rua em silêncio... o bordel ficava na esquina da avenida principal de Merville, eles estão indo lentamente para lá... Senhores! Chamou o menino. Você quer minha irmã?... Quantos? Cinco francos. "É barato", disse Balthazar. esse garoto não tem mais de 14 anos, mima Matias enquanto balança a cabeça... "Eles são uma necessidade", explicou Baltazar. Mas as crianças são um pecado... Eles agora estavam andando nas calçadas movimentadas da avenida principal de Merville ... até que surgiram em frente a um prédio cor de tijolo em frente ao qual um número considerável de soldados estava reunido. Esta era a porta do bordel, cujo nome, 'A Bandeira Branca', estava escrito em uma placa vermelha acima da entrada. Uau! Baltazar comentou. Apenas pessoas em perigo. Os soldados estavam na fila, deve ter havido mais de cem. Inglês, escocês e português... O bordel foi criado pelas autoridades francesas ... Havia bordéis para oficiais, mais discretos e mais caros... os soldados se contentam com versões industrializadas e rápidas..." "Sim, tem muita gente", confirmou Matias.


"Quantas garotas estão aí?"

"Disseram-me que havia três deles."

–Três... Matias repetiu, mentalmente fazendo a contagem.

"Não se canse, já fizemos as contas", disse Victor. Somos 120 e nós três, que é o que 40 homens por prostituta fazem. A uma taxa de cinco minutos para cada caso, são cerca de 200 minutos ...

"Talvez devêssemos voltar para o refugiado", brincou. Sempre será mais rápido e mais barato....

Matias soube que cada um deles servia o equivalente a cerca de um batalhão por semana. Eles trabalharam enquanto tivessem força e energia. O limite era de três semanas. Depois de passar três horas na fila para a Bandeira Branca, foi a vez deles...

"Dez francos

"Obrigado, mademoiselle, muito bem."

André Brun em seu livro "O bom humor no CEP" também relata algumas cenas, como: "A certa altura, a simpática senhora percebeu que estava comprimindo em excesso seu magro companheiro de viagem. Virando a cabeça, ela disse com a maior doçura do mundo: "Com licença, estou muito perto de você." Ao que André Brun, com seu melhor sorriso, respondeu: "Oh Madame! Eu até agradeço por isso!"

Thème que nous retrouvons page 76 du livre «A Saga de um Combatente na I Guerra Mundial – De Chaves a Copenhaga» de Gil Manuel Morgado dos Santos e Gil Filipe Calvão Santos.

É, sem dúvida, no livro "Das trincheiras com saudade", de Isabel Pestana, que o tema da sexualidade no CEP é tratado com a maior extensão: 6 páginas.

Fala sobre o jogo de sedução dos soldados portugueses que ocupavam parte do seu tempo livre, por vezes até fugindo às suas tarefas militares. A língua não era um obstáculo.

Isabel Pestana cita Pedro de Freitas, que se queixava da vantagem dos soldados ingleses sobre eles, os soldados portugueses: "Todas as tardes, eles (os ingleses) saem de braços entrelaçados com as 'senhoritas' a caminhar pelo canal, encontramo-los deitados com eles à sombra dos arbustos... Isso nos machucou, sentimos com as mesmas necessidades, necessidades que foram exageradas por longos períodos de ausência forçada. A Inglaterra supriu todas as necessidades da vida ... ela enviou regimentos de mulheres militarizadas para a França para várias ocupações ... Nossos camaradas ingleses tiveram sorte.

Criava-se, por vezes, uma rivalidade entre os soldados ingleses e portugueses, o que levava a lutas: as senhoras francesas apreciavam muito mais o charme exótico dos portugueses do que a rigidez do soldado inglês.

No livro/banda desenhada do Capitão Menezes Ferreira (nome completo João Guilherme de Menezes Ferreira) "João Ninguém, soldado da Grande Guerra, impressões do CEP 1917-1917" na página 29, escreve: "O contacto de João Ninguém com as velhinhas de lenços brancos, serviu de primeiro passo para conquistar o coração das senhoritas, as suas filhas pequenas que têm nos olhos o azul dos nossos céus. O discurso para encontrar uma noiva é sempre o mesmo: mademoiselle, você está noiva de mim depois que a guerra acabar?

Um amor volúvel que flerta com todas as jovens das fazendas, que se deixam seduzir pelos olhos negros, não é de estranhar que o pequeno português seja a doce lembrança que ficará para as jovens da sua passagem pela França".

Relações que podem, como diz Isabel Pestana, citando João Pina de Morais: "transformar-se em relações mais sólidas, onde chega a experiência do amor e do prazer sexual, independentemente do passado, dos dons matrimoniais e da diferença de culturas, experiências e linguística dos falantes... a relação romântica, na sua maioria efémera, podia muitas vezes levar ao noivado, ou mesmo ao casamento, com os combatentes portugueses a optarem por ficar em França após o Armistício... A sedução, o amor e o prazer sexual vividos pelos soldados do CEP com a população civil feminina criaram momentos, mais ou menos longos, mais ou menos sentidos, de fuga da repressão diária da guerra: nos braços da mulher escolhida, a combatente esqueceu os perigos vividos nas trincheiras, a repressão inerente e a experiência imposta pelo espaço masculino militarizado."

Quando a licença permitia, soldados ou oficiais se aventuravam mais longe de suas bases, em busca de amor rápido e bordéis. Pedro de Freitas descreve: "Em Calais, numa rua quase à beira-mar, reconhecem-se as casas pelos seus números metálicos, que são maiores do que os da numeração das outras casas... Havia um grande número de pessoas cosmopolitas rindo, bebendo, dançando, tocando piano, etc., em busca de prazer espiritual, mas também carnal... Em uma rua lateral, na mesma cidade, uma mulher belga em uma casa, ou melhor, em um quarto simples, exercia seu infeliz ofício ... na rua uma enorme fila de soldados ingleses, enquanto sentados em uma cadeira na porta, com uma vara na mão, uma velha senhora regulariza as entradas. O menino (soldado) teve que economizar voluntariamente os francos mensalmente, para desperdiçar nessa distração momentânea.

Muitos soldados do CEP sairão com muita gratidão e belas lembranças das mulheres francesas. Contarão a Portugal todo o carinho recebido das francesas. David Magno prestou homenagem a elas em seus escritos, ele as chamou de "essas garotas da guerra".

Em escritos fictícios sobre o assunto, a história muitas vezes encontra a realidade, uma história que às vezes é crua, descrevendo as experiências dos soldados que ousaram testemunhar.

O que é muito surpreendente, porém, é o fato de que em Nota do Serviço de Estatística do CEP, datada de 20 de maio de 1919, é indicado o número de 1.601 óbitos dentro do CEP sem que nenhuma doença sexualmente transmissível seja a causa, a menos que sejam considerados nos 6 óbitos por doenças desconhecidas ou mal definidas ou pelos 41 óbitos cujas causas são desconhecidas!

De acordo com algumas estatísticas, pelo menos 20 a 30 por cento dos soldados contraíram sífilis durante os primeiros anos da guerra.

Na França não ocupada, as autoridades trabalharam a partir de 1916 na educação sexual dos soldados baseada sobretudo na moral cristã e, portanto, na abstinência, para reduzir o risco. Diante do não resultado dessa política, na última metade do conflito, o Estado-Maior francês levou-a ao próximo nível ao importar o conceito de "bordéis de campo militares" (BMCs), com um exame de saúde das meninas todas as semanas, os contagiosos foram excluídos.

Nas fileiras dos outros beligerantes da Grande Guerra, o problema também estava presente, mas a resposta nem sempre era a mesma.

O Exército dos EUA simplesmente proibiu seus homens de frequentar bordéis. "Eles preferem controlar seus soldados com o seguinte sistema: qualquer homem que faça sexo deve se apresentar dentro de três horas a um posto de profilaxia onde é tratado. Se eles estiverem doentes sem ter seguido o procedimento, ficamos com metade do salário."

Quanto às autoridades britânicas, elas não fazem nada sob o Habeas Corpus, a lei inglesa que garante a liberdade individual: "Nenhum controle é possível. A única medida que tomaram foi alinhar-se com os americanos na primavera de 1918, proibindo o acesso aos bordéis. Entre os ingleses, havia a posição oficial e a prática não oficial, como evidenciado pelos relatos dos soldados do CEP, citados acima.

Os alemães têm uma atitude muito diferente. A presença de quase 2 milhões de soldados alemães, em média, nos territórios ocupados, localizados perto do front, aumentou a demanda por prostitutas. O próprio Kronprinz, quando morava em Charleville, o quartel-general do Estado-Maior alemão na Frente Ocidental, trouxe 12 prostitutas das "Casas da Tolerância" para seus aposentos. Para os alemães, a prostituição é, portanto, um mal necessário que deve ser controlado. Assim, para esse fim, em 25 de setembro de 1914, ocorreu uma reunião entre as autoridades alemãs e os representantes das autoridades francesas que haviam permanecido nas regiões invadidas. Em 13 de outubro, os vários kommandanturs foram instruídos a nomear um médico alemão para supervisionar os "exames médicos semanais aos quais as meninas públicas são submetidas". Isso explica por que apenas 15% das prostitutas que frequentavam bordéis estavam doentes entre os alemães.

A prostituição era considerada pelas autoridades alemãs como um acompanhamento do soldado, necessário para o moral das tropas que lutavam longe de casa, em um país estrangeiro.

Ao contrário das "Femmes à Boches" que se entregavam livremente aos alemães, as prostitutas não se incomodaram no final da guerra: não eram suspeitas de traição, as autoridades e a população consideravam que estavam fazendo seu trabalho. Na maioria das vezes, eles continuaram sua atividade, submetendo-se a exames médicos, com os exércitos aliados que haviam libertado sua região.

Quantas crianças nasceram de relações ilegítimas entre membros do CEP e jovens francesas? Crianças que nunca conheceram o pai, regressaram a Portugal no final da guerra. Existem algumas histórias, algumas dúvidas impossível de quantificar.

O jogo da sedução, o amor dos soldados do CEP pelas senhoras francesas, levará significativamente cerca de 2.000 combatentes a permanecerem na França, se casarem e criarem uma família. Famílias que hoje, 100 anos depois, às vezes tentam descobrir se não têm descendentes em Portugal, ou mesmo criar vínculos, amizades... Estas são histórias da história.

Fonte: Luso Jornal (França)

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