Por: António Marrucho
Há assuntos que raramente são
tratados. No entanto, eles não fazem parte da história, não deveriam fazer
parte da história?
Neste texto, discutiremos a
sexualidade durante a Primeira Guerra Mundial, especialmente dentro da Força
Expedicionária Portuguesa (CEP). Não é um elemento importante para o moral das
tropas? Existem duas profissões que estão mais intimamente ligadas do que
soldado e prostituição? Mesmo que não vejamos apenas a prostituição, mas também
o amor no que estamos prestes a contar.
Entre os alemães, os ingleses
e os franceses, o assunto foi tomado em consideração e medidas concretas foram
tomadas. E quanto ao lado do CEP?
Ao contrário dos países
mencionados, Portugal não previu regras, não organizou... Ele deixou acontecer,
infligindo punições aqui e ali quando havia violência, atrasos no retorno da
licença.
O capitão David Magno, no seu
"Livro de Guerra de Portugal na Flandres", escreve nas páginas 50 a
52: "... filhas ou mães, meninas ou socialites, todas ocupadas com algo
honesto, vendendo cerveja, tabaco ou cartões-postais ou cultivando a terra do
amanhecer ao anoitecer, trocando comida, uma vida de idas e vindas da sorte e
da boa ou má vontade indolor dos indivíduos ao seu redor. Alguns anjos, outros
demônios, alguns apaixonados, outros odiosos... No entanto, muitas delas,
filhas da guerra, contribuíram imensamente para aliviar o sofrimento físico e
moral de nosso soldado, desenterrado de sua pátria e do mundo de seus prazeres,
encontrando na alma feminina, especialmente francesa, algo para prender seu
coração à terra, seu corpo sendo ligado à guerra..."
Mais adiante, David Magno escreve: "... Durante o avanço do dia 24 (nota do editor: número regimental) em direção à frente ou em visita de instrução, oficiais, sargentos e soldados, indiscriminadamente, despediram-se familiarmente da população francesa, especialmente das mulheres, que eram física e espiritualmente muito agradáveis.
No romance de José Rodrigues dos Santos, recentemente publicado em França, "Esquecido", cujo título em português é "A Filha do Capitão", no capítulo V, o tema, obviamente romantizado, é abordado: "uma jovem magra, com um avental sujo na barriga, ziguezagueava suavemente entre as mesas amontoadas, com copos de cerveja branca na ponta dos dedos. Baltazar, o Velho, viu-a e estendeu a cabeça: "Você é boa! rugiu o veterano. Mademoiselle dorme comigo? Ela estava acostumada com os avanços dos soldados... Baltazar tomou um gole de cerveja... Hoje, temos que ir para as prostitutas. Baltazar ficou em silêncio. Matias e Abel se juntam a eles, e os quatro caminham pela rua em silêncio... o bordel ficava na esquina da avenida principal de Merville, eles estão indo lentamente para lá... Senhores! Chamou o menino. Você quer minha irmã?... Quantos? Cinco francos. "É barato", disse Balthazar. esse garoto não tem mais de 14 anos, mima Matias enquanto balança a cabeça... "Eles são uma necessidade", explicou Baltazar. Mas as crianças são um pecado... Eles agora estavam andando nas calçadas movimentadas da avenida principal de Merville ... até que surgiram em frente a um prédio cor de tijolo em frente ao qual um número considerável de soldados estava reunido. Esta era a porta do bordel, cujo nome, 'A Bandeira Branca', estava escrito em uma placa vermelha acima da entrada. Uau! Baltazar comentou. Apenas pessoas em perigo. Os soldados estavam na fila, deve ter havido mais de cem. Inglês, escocês e português... O bordel foi criado pelas autoridades francesas ... Havia bordéis para oficiais, mais discretos e mais caros... os soldados se contentam com versões industrializadas e rápidas..." "Sim, tem muita gente", confirmou Matias.
"Quantas garotas estão
aí?"
"Disseram-me que havia
três deles."
–Três... Matias repetiu,
mentalmente fazendo a contagem.
"Não se canse, já fizemos
as contas", disse Victor. Somos 120 e nós três, que é o que 40 homens por
prostituta fazem. A uma taxa de cinco minutos para cada caso, são cerca de 200
minutos ...
"Talvez devêssemos voltar
para o refugiado", brincou. Sempre será mais rápido e mais barato....
Matias soube que cada um deles
servia o equivalente a cerca de um batalhão por semana. Eles trabalharam
enquanto tivessem força e energia. O limite era de três semanas. Depois de
passar três horas na fila para a Bandeira Branca, foi a vez deles...
"Dez francos
"Obrigado, mademoiselle,
muito bem."
André Brun em seu livro
"O bom humor no CEP" também relata algumas cenas, como: "A certa
altura, a simpática senhora percebeu que estava comprimindo em excesso seu
magro companheiro de viagem. Virando a cabeça, ela disse com a maior doçura do
mundo: "Com licença, estou muito perto de você." Ao que André Brun,
com seu melhor sorriso, respondeu: "Oh Madame! Eu até agradeço por
isso!"
Thème que nous retrouvons page
76 du livre «A Saga de um Combatente na I Guerra Mundial – De Chaves a
Copenhaga» de Gil Manuel Morgado dos Santos e Gil Filipe Calvão Santos.
É, sem dúvida, no livro
"Das trincheiras com saudade", de Isabel Pestana, que o tema da
sexualidade no CEP é tratado com a maior extensão: 6 páginas.
Fala sobre o jogo de sedução
dos soldados portugueses que ocupavam parte do seu tempo livre, por vezes até
fugindo às suas tarefas militares. A língua não era um obstáculo.
Isabel Pestana cita Pedro de
Freitas, que se queixava da vantagem dos soldados ingleses sobre eles, os
soldados portugueses: "Todas as tardes, eles (os ingleses) saem de braços
entrelaçados com as 'senhoritas' a caminhar pelo canal, encontramo-los deitados
com eles à sombra dos arbustos... Isso nos machucou, sentimos com as mesmas
necessidades, necessidades que foram exageradas por longos períodos de ausência
forçada. A Inglaterra supriu todas as necessidades da vida ... ela enviou
regimentos de mulheres militarizadas para a França para várias ocupações ...
Nossos camaradas ingleses tiveram sorte.
Criava-se, por vezes, uma
rivalidade entre os soldados ingleses e portugueses, o que levava a lutas: as
senhoras francesas apreciavam muito mais o charme exótico dos portugueses do
que a rigidez do soldado inglês.
No livro/banda desenhada do
Capitão Menezes Ferreira (nome completo João Guilherme de Menezes Ferreira)
"João Ninguém, soldado da Grande Guerra, impressões do CEP 1917-1917"
na página 29, escreve: "O contacto de João Ninguém com as velhinhas de
lenços brancos, serviu de primeiro passo para conquistar o coração das
senhoritas, as suas filhas pequenas que têm nos olhos o azul dos nossos céus. O
discurso para encontrar uma noiva é sempre o mesmo: mademoiselle, você está
noiva de mim depois que a guerra acabar?
Um amor volúvel que flerta com
todas as jovens das fazendas, que se deixam seduzir pelos olhos negros, não é
de estranhar que o pequeno português seja a doce lembrança que ficará para as
jovens da sua passagem pela França".
Relações que podem, como diz
Isabel Pestana, citando João Pina de Morais: "transformar-se em relações
mais sólidas, onde chega a experiência do amor e do prazer sexual,
independentemente do passado, dos dons matrimoniais e da diferença de culturas,
experiências e linguística dos falantes... a relação romântica, na sua maioria
efémera, podia muitas vezes levar ao noivado, ou mesmo ao casamento, com os
combatentes portugueses a optarem por ficar em França após o Armistício... A
sedução, o amor e o prazer sexual vividos pelos soldados do CEP com a população
civil feminina criaram momentos, mais ou menos longos, mais ou menos sentidos,
de fuga da repressão diária da guerra: nos braços da mulher escolhida, a
combatente esqueceu os perigos vividos nas trincheiras, a repressão inerente e
a experiência imposta pelo espaço masculino militarizado."
Quando a licença permitia,
soldados ou oficiais se aventuravam mais longe de suas bases, em busca de amor
rápido e bordéis. Pedro de Freitas descreve: "Em Calais, numa rua quase à
beira-mar, reconhecem-se as casas pelos seus números metálicos, que são maiores
do que os da numeração das outras casas... Havia um grande número de pessoas
cosmopolitas rindo, bebendo, dançando, tocando piano, etc., em busca de prazer
espiritual, mas também carnal... Em uma rua lateral, na mesma cidade, uma
mulher belga em uma casa, ou melhor, em um quarto simples, exercia seu infeliz
ofício ... na rua uma enorme fila de soldados ingleses, enquanto sentados em
uma cadeira na porta, com uma vara na mão, uma velha senhora regulariza as
entradas. O menino (soldado) teve que economizar voluntariamente os francos
mensalmente, para desperdiçar nessa distração momentânea.
Muitos soldados do CEP sairão
com muita gratidão e belas lembranças das mulheres francesas. Contarão a
Portugal todo o carinho recebido das francesas. David Magno prestou homenagem a
elas em seus escritos, ele as chamou de "essas garotas da guerra".
Em escritos fictícios sobre o
assunto, a história muitas vezes encontra a realidade, uma história que às
vezes é crua, descrevendo as experiências dos soldados que ousaram testemunhar.
O que é muito surpreendente,
porém, é o fato de que em Nota do Serviço de Estatística do CEP, datada de 20
de maio de 1919, é indicado o número de 1.601 óbitos dentro do CEP sem que
nenhuma doença sexualmente transmissível seja a causa, a menos que sejam
considerados nos 6 óbitos por doenças desconhecidas ou mal definidas ou pelos
41 óbitos cujas causas são desconhecidas!
De acordo com algumas
estatísticas, pelo menos 20 a 30 por cento dos soldados contraíram sífilis
durante os primeiros anos da guerra.
Na França não ocupada, as
autoridades trabalharam a partir de 1916 na educação sexual dos soldados
baseada sobretudo na moral cristã e, portanto, na abstinência, para reduzir o
risco. Diante do não resultado dessa política, na última metade do conflito, o
Estado-Maior francês levou-a ao próximo nível ao importar o conceito de
"bordéis de campo militares" (BMCs), com um exame de saúde das
meninas todas as semanas, os contagiosos foram excluídos.
Nas fileiras dos outros
beligerantes da Grande Guerra, o problema também estava presente, mas a
resposta nem sempre era a mesma.
O Exército dos EUA
simplesmente proibiu seus homens de frequentar bordéis. "Eles preferem
controlar seus soldados com o seguinte sistema: qualquer homem que faça sexo
deve se apresentar dentro de três horas a um posto de profilaxia onde é
tratado. Se eles estiverem doentes sem ter seguido o procedimento, ficamos com
metade do salário."
Quanto às autoridades
britânicas, elas não fazem nada sob o Habeas Corpus, a lei inglesa que garante
a liberdade individual: "Nenhum controle é possível. A única medida que
tomaram foi alinhar-se com os americanos na primavera de 1918, proibindo o acesso
aos bordéis. Entre os ingleses, havia a posição oficial e a prática não
oficial, como evidenciado pelos relatos dos soldados do CEP, citados acima.
Os alemães têm uma atitude
muito diferente. A presença de quase 2 milhões de soldados alemães, em média,
nos territórios ocupados, localizados perto do front, aumentou a demanda por
prostitutas. O próprio Kronprinz, quando morava em Charleville, o quartel-general
do Estado-Maior alemão na Frente Ocidental, trouxe 12 prostitutas das
"Casas da Tolerância" para seus aposentos. Para os alemães, a
prostituição é, portanto, um mal necessário que deve ser controlado. Assim,
para esse fim, em 25 de setembro de 1914, ocorreu uma reunião entre as
autoridades alemãs e os representantes das autoridades francesas que haviam
permanecido nas regiões invadidas. Em 13 de outubro, os vários kommandanturs
foram instruídos a nomear um médico alemão para supervisionar os "exames
médicos semanais aos quais as meninas públicas são submetidas". Isso
explica por que apenas 15% das prostitutas que frequentavam bordéis estavam
doentes entre os alemães.
A prostituição era considerada
pelas autoridades alemãs como um acompanhamento do soldado, necessário para o
moral das tropas que lutavam longe de casa, em um país estrangeiro.
Ao contrário das "Femmes
à Boches" que se entregavam livremente aos alemães, as prostitutas não se
incomodaram no final da guerra: não eram suspeitas de traição, as autoridades e
a população consideravam que estavam fazendo seu trabalho. Na maioria das
vezes, eles continuaram sua atividade, submetendo-se a exames médicos, com os
exércitos aliados que haviam libertado sua região.
Quantas crianças nasceram de
relações ilegítimas entre membros do CEP e jovens francesas? Crianças que nunca
conheceram o pai, regressaram a Portugal no final da guerra. Existem algumas
histórias, algumas dúvidas impossível de quantificar.
O jogo da sedução, o amor dos
soldados do CEP pelas senhoras francesas, levará significativamente cerca de
2.000 combatentes a permanecerem na França, se casarem e criarem uma família.
Famílias que hoje, 100 anos depois, às vezes tentam descobrir se não têm
descendentes em Portugal, ou mesmo criar vínculos, amizades... Estas são
histórias da história.
Fonte: Luso Jornal (França)
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