domingo, 30 de novembro de 2025

“Sangue do cordão umbilical: um tesouro que já está a salvar vidas”


O sangue do cordão umbilical, tantas vezes descartado no parto, é hoje uma fonte valiosa de células estaminais capazes de tratar dezenas de doenças e abrir novas possibilidades na medicina regenerativa.

Todos os anos, em novembro, comunidades médicas, científicas e associações de doentes assinalam o Dia Mundial do Sangue do Cordão Umbilical uma data que lembra algo simples, mas crucial: todos os dias, no momento do parto, este recurso valioso é descartado. Sensibilizar para a sua importância é essencial, porque uma decisão de segundos pode significar uma oportunidade terapêutica que salva-vidas.

O sangue do cordão umbilical é uma das mais importantes fontes de células estaminais hematopoiéticas células capazes de gerar novas células do sangue. A sua importância começou a ganhar forma em 1974, quando um cientista dinamarquês identificou o seu potencial, mas foi apenas em 1988 que esta descoberta saiu do laboratório para a prática clínica. Nesse ano, realizou-se o primeiro transplante com células estaminais do sangue do cordão umbilical, um marco que inaugurou uma nova era na medicina da transplantação.

Esse primeiro transplante só foi possível graças à colaboração de três médicos de nacionalidades diferentes, unidos pela vontade de oferecer uma alternativa terapêutica aos seus doentes. O destinatário foi Mathew Farrow, uma criança com Anemia de Fanconi, cuja única esperança era um dador compatível. A solução veio do sangue do cordão umbilical da sua irmã recém-nascida. A amostra, colhida à nascença nos Estados Unidos e criopreservada em azoto líquido, manteve-se viável até França, onde o transplante foi realizado um procedimento pioneiro que acabou por lhe salvar a vida.

 

Do primeiro transplante ao nascimento dos bancos de células estaminais

 

O sucesso deste primeiro transplante abriu caminho a uma nova oportunidade para os doentes que necessitavam de um transplante hematopoiético, mas não conseguiam encontrar um dador compatível a tempo. Em 1992 foi criado, em Nova Iorque, o primeiro banco de sangue do cordão umbilical, e rapidamente outros surgiram por todo o mundo. Hoje existem bancos públicos, que armazenam dádivas para uso de qualquer doente; bancos privados, que guardam amostras para uso exclusivo da família; e modelos mistos, que permitem ambas as opções. Em comum, todos têm o mesmo objetivo: garantir células estaminais disponíveis de forma rápida e imediata quando a necessidade surge, reduzindo tempos de espera.

Hoje, o sangue do cordão umbilical faz parte da prática clínica consolidada. Os dados mais recentes apontam para mais de 60.000 transplantes realizados em todo o mundo, no tratamento de mais de 90 doenças hematológicas, oncológicas, imunológicas e metabólicas. O que começou como uma experiência pioneira tornou-se numa ferramenta terapêutica essencial, com resultados comprovados e cada vez mais acessível a doentes que precisam de uma alternativa eficaz.

 

O potencial que está a moldar o futuro da medicina

 

O potencial comprovado do sangue do cordão umbilical tem impulsionado centenas de ensaios clínicos em várias áreas da medicina regenerativa, com destaque para doenças neurológicas e autoimunes. Nos últimos anos, muitos destes estudos têm recorrido a células estaminais do próprio doente, sobretudo em crianças cujas famílias optaram por guardar o sangue do cordão umbilical ao nascimento.

Entre os avanços mais promissores estão as infusões em crianças com paralisia cerebral, cujos resultados, já descritos na literatura médica, revelam melhorias significativas em alguns casos. A evidência acumulada levou mesmo o governo australiano a autorizar, em 2025, que os seus hospitais realizem infusões autólogas ou seja, com células da própria criança sempre que a equipa médica identifique benefício clínico potencial.

Para que cada vez mais doentes possam aceder a este tipo de terapêuticas, é essencial garantir dois pilares: a existência de amostras criopreservadas nos bancos de tecidos e células, e a continuidade da investigação clínica, tanto com células do próprio (autólogas) como de dadores compatíveis (alogénicas). Só assim será possível expandir o uso do sangue do cordão umbilical a um número crescente de doenças e consolidar o seu papel na medicina do futuro.

Fonte: Sapo on-line Saúde

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