segunda-feira, 7 de julho de 2025

“A Arte das Musas, em parceria com o Município de Idanha-a-Nova, UNESCO City of Music, e o apoio da Direcção-Geral das Artes, apresenta”


Por: Tiago Carvalho

Guardados 003

Filipe Faria

 

INAUGURAÇÃO

 

18 Julho 2025, Sexta-feira, 21h00

Idanha-a-Nova, Centro Cultural Raiano

Entrada livre

No dia 18 de Julho, sexta-feira, 21h00, na Sala 1 do Centro Cultural Raiano (Idanha-a-Nova), a Arte das Musas, em parceria com o Município de Idanha-a-Nova e com o apoio da Direcção-Geral das Artes, inaugura a exposição intitulada Guardados 003 — O Vazio —, o terceiro volume do projecto Guardados, de Filipe Faria.

Este volume nasce de uma peça, de um “guardado” — uma cesta —, da colecção do CCR, para propor uma visão contemporânea em torno do texto, da imagem e do som

Um guardado é um objecto que sobreviveu ao tempo com intenção. É um daqueles objectos que decidimos poder vir a fazer parte de nós, do que somos hoje, na antecipação de um futuro em que precisamos de ser recordados da sua importância. Guardamos um guardado porque o queremos fixar no tempo, neste tempo… para que não se perca nunca.

No mesmo dia será lançado o livro e a exposição ficará patente entre 18 de Julho e 12 de Setembro de 2025, no Centro Cultural Raiano (Idanha-a-Nova).

Conto do vazio (Excerto)

— Filipe Faria

“Este, como todos os objectos que não são inteiramente conscientes mas que, pela frequência do uso e pela proximidade com o corpo humano, vão adquirindo uma espécie de memória que não é bem memória e uma espécie de pensamento que não chega a ser pensamento, mas que em certas circunstâncias pode confundir-se com ele, este, dizia, foi construído por um homem que não sabia que estava a construir o vazio, mas apenas a entrelaçar vergas de castanho segundo a técnica que lhe ensinara o pai e que o pai aprendera com um homem de fora, vindo sabe-se lá de onde, talvez do lado de lá do rio ou de mais longe ainda, um desses homens que aparecem nas aldeias como se tivessem vindo do fundo da terra e desaparecem da mesma maneira, deixando atrás de si uma receita de pão, uma superstição e um gesto com as mãos que, quando repetido com a devida paciência, resulta num objecto capaz de conter outras coisas, como legumes, galinhas mortas, mantas dobradas ou mesmo, numa emergência que não chegou a ser relatada mas que aconteceu, um animal recém-nascido embrulhado em panos, não para ser salvo nem para ser escondido, mas porque havia pressa e mais ninguém tinha braços.” (...)

Posfácio

— Paulo Longo

Não raras vezes, damos mais visibilidade ao contexto de produção de um objecto do que à(s) vida(s) que este ganha nas mãos de quem o utiliza no seu quotidiano. É compreensível: a classificação, por mais exaustiva, deixa de fora declinações do uso que obedecem a propósitos ou intervenções mais particulares que se identificam com a relação funcional que se estabelece entre objecto e utilizador. E é perfeitamente aceitável que, nesse domínio, se escapem detalhes cujo alcance é, tantas vezes, fortuito.

A história da cesta de Maria do Carmo Milheiro enquadra-se, precisamente, aí. Falecida em 1998, deixou o legado que tantas mulheres, mães e avós, deixaram por estes lados: as memórias de uma via feita de trabalho árduo, de sacrifício, de saberes e sabores de referência, que perduram até hoje na família e na comunidade da aldeia onde sempre viveu, Oledo.

Esta cesta configura, de certa forma, um legado a posteriori, reflexo indirecto de um dos trabalhos em que era exímia, a sua horta. Mas não só. Guardada no local onde Maria do Carmo a deixou, a cesta viria a revelar uma história peculiar. Não se trata apenas de um objecto que chegou até nós com marcas de uso mas em bom estado – o que só por si, já seria notável, considerando a relativa fragilidade da matéria de que é feito. Trata-se, sobremaneira, do testemunho de um gesto outrora mais comum: o esforço posto em conservar a funcionalidade, recuperando danos sofridos e melhorando a capacidade do objecto em corresponder às necessidades do uso quotidiano num tempo que os recursos eram mais escassos. Resultado: a cesta de verga de castanho não é apenas uma cesta em verga de castanho.

Numa analogia forense, o que nos diz o corpo? Primeiro, os danos. Que marcas deixou o uso continuado, carregando pesos, sofrendo quedas. Em dado momento a asa quebrou-se pela base das vergas, junto ao bordo. Noutra ocasião o encanastrado do fundo partiu-se em vários pontos, deixando um buraco considerável. Porém, à primeira vista, a cesta parece intacta. Logro que apanhou desprevenidos quem a trouxe de volta à esfera do visível – o pó e a patine fizeram bem o seu trabalho.

A limpeza trouxe o reconhecimento de um extenso e bem executado trabalho de reconstrução que, mais do que refazer partes criou uma cesta mais funcional e robusta no seu todo. Como? Incorporando cuidadosamente elementos metálicos com uma qualidade de execução que os torna pouco perceptíveis a um olhar desatento: a alça integralmente substituída por uma tira de ferro reproduzindo a forma original, encaixando-se ao longo do corpo como de uma verga de castanho se tratasse; os encaixes quebrados bem rematados à cota do bordo; a folha de alumínio a cobrir mais do que a falha original, num reforço estrutural igualmente bem integrado.

A cesta escapou, assim, ao prosaico destino dos objectos quebrados. Ganhou uma segunda vida que perdurou enquanto perdurou a de quem lha deu. Num tempo em que sustentabilidade passou a jargão, eis um exemplo que nos chega de um outro tempo, de uma sociedade rural onde a necessidade e a respectiva satisfação obedeciam a um pragmatismo que não excluía um toque criativo.

Esta é a lição que nos deixou Maria do Carmo Milheiro, a somar às muitas que soube transmitir enquanto esteve entre nós. E, como ela, muitos outros deixaram testemunhos tão pertinentes como tocantes, ainda dispersos no espaço e no tempo. À espera, guardados.

Cesta

Coincidente com as formas produzidas pelos cesteiros de Alcongosta (Fundão) a partir de verga delgada de castanho. Apresenta uma forma rectangular, com bordo reforçado e asa em arco. A asa é executada com três vergas que arrancam da caixa, separadas num reforço tripartido, para se unirem no topo, formando a pega que se encontra parcialmente embainhada com fio — trapo era outra opção comum —, com a finalidade de proteger a palma da mão ao agarrar. Foi utilizado em Oledo para transportar produtos da horta ao longo de um período estimado em, pelo menos, cerca de três décadas, apresentando intervenções de recuperação/manutenção para garantir a sua funcionalidade.

Local de fabrico: Alcongosta, Fundão (atrib.).

Local de utilização: Oledo, Idanha-a-Nova

Período de utilização: até finais da década de 1990

Medidas (cm): 34 (c.) x 32 (l.) x 35 [a.]

Capacidade: 0,24 m3

Colecção: Incorporado em 2024 na colecção do Centro Cultural Raiano

Website

www.guardados.pt

Um projecto Arte das Musas

Com o apoio República Portuguesa - Cultura \Direção-Geral das Artes

Em parceria com Município de Idanha-a-Nova \UNESCO City of Music

Guardados

— Filipe Faria

Um guardado é um objecto que sobreviveu ao tempo com intenção. É um daqueles objectos que decidimos poder vir a fazer parte de nós, do que somos hoje, na antecipação de um futuro em que precisamos de ser recordados da sua importância. Guardamos um guardado porque o queremos fixar no tempo, neste tempo… para que não se perca nunca.

Guardado (adjectivo): Protegido ou defendido contra algo ou alguém; Que se conserva para não se deteriorar; Posto de parte; Oculto, escondido.

Guardados (nome masculino plural): Objectos que se guardam em caixas ou outros compartimentos.

Um guardado pode ser uma fotografia de um acontecimento mais ou menos especial, mais ou menos banal, uma fotografia nossa ou de outrem. De um agente activo na nossa história ou de um desconhecido, ou de um grupo de desconhecidos, ou de um grupo de desconhecidos à volta de um conhecido. Pode ser aquela tesoura da poda que nunca falhou, aquele colar que nos definia, aquele apontamento de coisa importante ou daquela vez em que nos saíu um verso ou uma estrofe. Pode ser um recorte escurecido de uma revista ou jornal entretanto desaparecidos. Pode ser um equipamento tecnológico de ponta, entretanto obsoleto. Pode ser grande, não tem de ser pequeno (haja espaço para guardar o guardado). Pode ser uma escada de azeitona na qual os nossos pais e avós subiram e desceram milhares de vezes. Pode, até, ser um guardado de gerações… um que nunca experimentámos e que não experimentaremos porque não queremos correr o risco.

Com estes guardados podemos contar uma história… a dele, do seu dono ou dona. Ou outra história qualquer, aquela que nos vier à cabeça quando o vemos, tocamos, cheiramos… quando imaginamos, condicionados, como sempre somos, pelo que sabemos ou ignoramos. Estes são os guardados sobre os quais quero contar histórias.

Fonte: Câmara Municipal Idanha-a-Nova

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