Por: Carlos Pereira
No dia 1 de setembro de 1944,
866 prisioneiros da prisão de Loos, na área metropolitana de Lille, foram
‘carregados’ naquele que viria a ser o último comboio de deportados durante a
II Guerra mundial, em direção aos campos de concentração na Alemanha. No
domingo passado tiveram lugar as cerimónias de evocação dos 80 anos deste
funesto comboio que também levou a bordo três portugueses: Henri de Moraes,
Jean Póvoa e Benoit da Costa Araújo.
A cerimónia teve lugar, como habitualmente, no cemitério Delory, junto ao monumento onde estão inscritos os nomes dos prisioneiros que seguiram no comboio, com intervenções de Grégory Celerse, Presidente da Amicale du Train de Loos, de Anne Voituriez, Maire de Loos, e de Bertrand Gaume, Préfet du Nord.
“Na manhã do dia 1 de setembro
de 1944 os Nazis decidiram evacuar os prisioneiros da prisão de Loos, que
acolhia centenas de detidos de toda a região Pas-de-Calais, de várias
nacionalidades diferentes, entre elas um português e dois de origem portuguesa,
detidos por atos de resistência, sabotagem, distribuição de folhetos ou
pertença a movimentos de resistência. Estavam em prisão preventiva, aguardando
julgamento” começou por explicar ao LusoJornal Grégory Celerse. “O avanço das
forças aliadas depois do desembarque, sobretudo nesta região, fez com que os
alemães tivessem decidido evacuar a prisão para levarem os presos para os
campos de concentração na Alemanha”.
A saída do comboio teve lugar
numa sexta-feira à noite, e no dia seguinte começaram os combates para a
libertação de Lille, que duraram cerca de 48 horas. “Foi por poucas horas, mas
efetivamente os Nazis conseguiram fazer partir este comboio” afirma Grégory
Celerse.
Este ano estava ainda mais gente a assistir às cerimónias, desde familiares de deportados, aos jovens do Conselho Municipal da Juventude Loossoise. Estavam presentes ainda autarcas da cidade, do Departamento e da Região e o içar da bandeira foi efetuado simbolicamente por Matys, neto do resistente e deportado Antonin Delignières.
Aurore Descamps-Ronsin,
bisneta de um soldado português da I Guerra mundial, lá estava com a bandeira
da Liga dos Combatentes de Lillers. “Foi a primeira vez que participei nesta
cerimónia. Penso que era importante estar aqui porque no comboio de Loos havia
franceses, mas também havia franceses um pouco diferentes des outros, porque
eram também portugueses” explicou ao LusoJornal.
“Muitas vezes, quando se fala
dos Portugueses – e eu estou neste caso – falamos muito da participação na I
Guerra mundial, na Batalha de La Lys, nesta primeira parte da história, que é
fundamental para compreendermos o resto, mas esquecemos que alguns soldados
decidiram ficar em França, casaram com francesas, fizeram aqui as suas vidas,
tornaram-se franceses eles próprios – a partir de 1920 houve acordos para
facilitar a integração e o acesso à nacionalidade dos trabalhadores
estrangeiros – e mesmo se eles nunca renunciaram a Portugal, quando a França
foi invadida uma segunda vez, para eles foi insuportável, e tornaram-se nos
Resistentes que conhecemos”.
Henri de Moraes e Jean Póvoa
eram efetivamente filhos de soldados portugueses que participaram na I Guerra
mundial. Os dois morreram em cativeiro e já não regressaram a França. Benoit da
Costa Araújo nasceu em Portugal, emigrou para França entre as duas Guerras e
conseguiu regressar.
Dos 866 deportados do Train de
Loos, regressaram 275. “O que não quer dizer que todos sobreviveram, porque
alguns vinham em estado de tal forma fragilizado pelas condições terríveis de
detenção, que morrerem nas semanas ou nos meses seguintes” confirmou Grégory
Celerse.
Henri de Moraes era um jovem
Resistente bastante ativo e tentou mesmo libertar prisioneiros da prisão de
Loos. “Os deportados nem sempre ficavam no mesmo campo de concentração e o
Henri de Moraes foi levado para um campo e depois para outro e faleceu no caminho
entre os dois. O corpo foi atirado do comboio abaixo, um colega dele, que
seguia no mesmo comboio, testemunhou” completa António Marrucho, da equipa do
LusoJornal no Norte da França. Henri de Moraes morava em Lambersart e a cidade
decidiu dar o nome dele a uma das ruas.
Jean Póvoa tem também a
particularidade de ter morrido na Alemanha, no dia seguinte ao da libertação do
campo onde estava detido.
Benoit da Costa Araújo
regressou a França e viveu até 2002. “Ele regressou à vida de mineiro. Pelo
facto de ser mineiro e de ter sofrido durante a deportação, aos 41 anos foi
dado como inválido, mesmo se só morreu muitos anos depois” completa António Marrucho.
“Estes três fazem parte dos
portugueses que estiveram implicados na Resistência, mas nesta região há muitos
mais, nomeadamente dois que foram fuzilados em Arras: o José Santos e o Albert
de Lima”, acrescenta.
Para a Maire de Loos, “esta
comemoração é importante porque aqueles que viveram este passado dramático e
injusto, vão desaparecendo, vão morrendo, e quando todos os sobreviventes
tiverem desaparecido, se não tivermos organizado o trabalho de História e de
Memória, 30, 40, 100 anos mais tarde podemos ter esquecido tudo o que se
passou, ou então, algumas pessoas mal intencionadas podem tentar apagar, dizer
que tal nunca existiu, que não teve esta importância, que apenas diz respeito a
poucas pessoas” disse ao LusoJornal.
“Se não nos lembrarmos disto,
as coisas podem repetir-se mecanicamente. As mesmas causas produzem os mesmos
efeitos e para evitar isso, temos de explicar a barbárie e temos de explicar
que um país, para se desenvolver, não é necessário, nem indispensável invadir
os outros países” diz Anne Voituriez.
Entrevistada pelo LusoJornal,
a Maire de Loos explica que “já no ano passado encontrei aqui portugueses
nestas cerimónias. Estou sensível que Portugal se junte às nossas comemorações,
à nossa história comum. Estou contente que, para além das fronteiras, os
valores da liberdade e dos princípios democráticos possam encontrar-se numa
cerimónia memorial deste tipo”.
Fonte: Luso Jornal (França)
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